8 de março de 2021

Mota, o revolucionário dos anos 70 e catrapuz

O conhecer uma pessoa tem que se lhe diga. Só anos de vivência e convivência comuns podem sustentar um conhecimento profundo. Sem essa bagagem, qualquer conhecimento de alguém é sempre e apenas circunstancial. Pouco mais que um retrato do aspecto físico e de um ou outro traço mais vincado na personalidade.

Assim, conheço o Firmino Mota, de forma circunstancial, desde há algumas décadas, era ele maduro e eu pouco mais que um adolescente. Mas desde então que tracei o seu retrato como de alguém um pouco para o revolucionário, funcionário público, militante de esquerda, amigo das greves e das manifestações gerais e das lutas por cada vez mais regalias. Não conseguiu a semana de trinta horas e a reforma aos 50 anos (sonho e reivindicações), mas as suas lutas e dos seus pares eram como afluentes de regalias que nunca misturavam as suas águas num rio de deveres e obrigações. Talvez por isso, e porque veio a puta da privatização, reformou-se cedo e desde há longos anos que é um reformado com salário de médico, quando na vida activa do tempo que sobrava das greves, não passou de um medíocre funcionário numa empresa então pública que mais parecia uma porca de criação com muitas tetas onde muitos mamavam à tripa farra.

Então, o Mota libertado cedo dessa obrigação de ter que ir marcar o ponto e de encabeçar comissões de trabalhadores (um eufemismo para quem nada fazia), decidiu lançar-se na literatura onde começou por escrever uns contos e umas frases a que chamava de "poemas de um homem da luta em curso".

Nunca tive curiosidade de ler o que o Mota escreveu em meia dúzia de títulos de edição própria, que fazia distribuir pela sua gente, oferecendo-os pelos natais e aniversários em vez de chinelos, peúgas e cuecas, mas por estes dias, nem sei como nem por quem, lá me veio ter às mãos um desses livros. Logo ao primeiro texto, que nem sei se fábula, se conto, crónica ou coisa nenhuma, começava por destacar a brutalidade de regimes ditatoriais e seus líderes e lá estavam Hitler como o chefe da comandita, o Mussolini, que o bandido de bigodinho à Charlot tanto apreciava, e outros mais incluindo o "sanguinário" Salazar. Logo depois, exaltava figuras como Fidel Castro, Che Guevara, Agostinho Neto, Amílcar Cabral e outros líderes africanos, nomeadamente os ligados aos movimentos da resistência e independentistas dos anos 60 e 70, todos num ramalhete de santidade.

Mas, omitindo os ditadores carniceiros de outros tantos regimes comunistas, desde logo a União Soviética e seus derivados da Europa de Leste, China, Coreia do Norte, Camboja, Cuba e outros mais, com figuras sinistras como Stalin, Mao, Pol Pot e muitos outros que de assentada encheriam um autocarro de dois pisos como os ingleses,  o Mota disse logo ao que vinha. Em rigor não o disse, mas percebeu-se pela leitura de meia dúzia de linhas. O homem não gosta de ditaduras nem de ditadores, no que lhe partilho a aversão, mas, pasme-se, o Mota como bom camarada, finge que dali e daqueles foram só primaveras, progresso liberdade para metalúrgicos e ceifeiras. 

Seja como for, o futuro do Mota não é nos livros nem no que escreve. Fosse por aí, teria que andar a estender a mão à caridade e pegar na foice e no martelo para além do simbolismo. Não! Vai vivendo, e bem, com os frutos do capitalismo que nos seus escritos desdenha e pinta em tom carregado. E vai sonhando com presentes e futuras revoluções. 

O Mota é dos "durinhos" e se os mais cinco cantados pelo Zeca viessem e lhe fizessem companhia era homenzinho para fazer uma nova revolução e ainda ir atrás do sonho de reviver os Precs e os verões quentes quando o país guiado pelo Vasco e seus capitães seguia nos carris certos para uma ditadura abençoada por Lenine e Marx.