11 de outubro de 2022

Saber ocupar o lugar

A história da introdução dos bancos nas nossas igrejas por si só daria para uma longa história. Bastará dizer que originalmente as igrejas não tinham bancos e era comum os fiéis participarem nos serviços todo o tempo de pé, o que ainda acontece nas igrejas ortodoxas orientais. 

Por esses primeiros tempos uma liturgia comportava várias movimentações. Mais tarde após a reforma protestante e sobretudo por influência da igreja anglicana começaram a ser introduzidos bancos, mesmo fabricados e pagos pelos próprios fiéis que assim os tinham como seus. Nos Estados Unidos, para onde a prática passou, chegou a ser autorizado o aluguer contra um pagamento. Adiante, que esta coisa de bancos nas igrejas daria para uma homilia longa. 

Quem frequenta as nossas igrejas e participa nas suas missas, pelo menos com a frequência dominical, sabe que é assim: Há pessoas que ocupam quase sempre os mesmos lugares e têm-nos como “seus”. Ali sentem-se melhor e mais preparados “espiritualmente”. Ou porque mais recatados, num sítio menos exposto, ou o contrário, mais perto ou mais longe dos olhares do padre, ou pela simpatia de quem tem por vizinhos e amigos, até para fugir das correntes de ar, etc. Outros, ainda, meios escondidos nos corredores ou até mesmo com um pé dentro e outra fora da igreja. Há ainda quem, desde que não chova, fique mesmo da parte de fora, e cumpre o preceito sem sequer ver a cara do padre ou a hóstia sagrada.

Seja que por motivo for, essa é uma realidade ainda muito nítida, mesmo que já não tanto como noutros tempos, em que havia uma nítida separação de género, com os homens na parte da frente e as mulheres na de trás.

Na nossa igreja de Guisande, esta realidade também acontece mesmo que de forma já não tão vincada pois com a crescente redução de participantes, os lugares vagos por vezes são mais que os ocupados e assim permite uma escolha mais alargada de lugar.

Mas, claro está, este hábito ou mesmo tradição – chamemos-lhe assim – só é percebida, compreendida e respeitada por quem frequenta com regularidade esses espaços de culto. 

Não surpreende, pois, que sempre que vem à igreja alguém de fora e mesmo pessoas mais novas, esporadicamente, por vezes ocupem, sem saber, esses lugares “certos” fazendo com que os habituais tenham que procurar outro e sair da sua zona de conforto. Conheço casos que quando alguém chega à igreja e vê o “seu” lugar ocupado, dá o recado ao ocupante ou até mesmo abandona a igreja. Extremos.

Mas tomando esta situação como uma analogia, podemos extrapolá-la para outras realidades e assim em muitas situações da nossa vida e quotidiano, por vezes lá chegam os mais novos e não habituais e habituados ao “status quo” e tomam o lugar de alguém, sem qualquer incómodo ou esmorecimento. 

E, todavia, mesmo que em rigor esses “lugares” não tenham lugar pago e cativo, como nas bancadas de futebol, ficaria sempre bem uma palavrinha, uma satisfação, um saber quem por ali costuma estar. Em resumo, adaptar-se e tomar à letra os ditados “em Roma sê romano” ou mais prosaicamente “à terra onde fores ter, faz como vires fazer”.

Mas nos tempos que correm, essas preocupações respeitosas e decorrentes de tradições pouco ou nada valem. Quem não as conhece nem procura conhecer, naturalmente que lhes passa por cima com a ignorância de um analfabeto a tentar ler sem o conseguir.

É o que é! 

Nestas como em muitas outras coisas, cada vez mais menos.