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31 de agosto de 2017

Historiando - A lápide da sepultura do Padre Manuel Carvalho

Já nos referimos aqui ao Padre Manuel Carvalho, ilustre figura da nossa paróquia de S. Mamede de Guisande, desde logo por ter sido o fundador, no ano de 1933, da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, irmandade que ainda se encontra activa nos dias actuais, embora já sem a pujança de tempos idos.

Quanto às notas biográficas sobre esse ilustre clérigo, para além da referência que na lista de párocos lhe é feita pelo Cónego Dr. António Ferreira Pinto, na sua monografia sobre Guisande "Defendei Vossas Terras", publicada em 1936, que abaixo se transcreve, pouco mais se sabe para além de que foi pároco de S. Mamede de Guisande em grande parte da primeira metade do séc. XVIII (de 1710 a 1754), 

-Manuel de Carvalho, foi nomeado em 1710. Alma verdadeiramente apostólica, fundou uma obra, que ainda hoje está florescente e é o orgulho de Guisande. Refiro-me à Confraria de N. S. do Rosário, fundada em 1733, com todas as licenças dos Dominicanos e autorizações necessárias, cujos Estatutos foram aprovados em 2 de Setembro de 1734 e modificados em Janeiro de 1794. O segundo livro do registo paroquial foi rubricado por este zeloso pároco, em virtude da comissão que lhe deu o Provisor, em 24 de Novembro de 1733. Por motivo de grave doença, resignou, em 1752, em favor do seu sucessor e faleceu, a 4 de Fevereiro de 1758, deixando muitas esmolas e legados. Esteve sepultado na capela-mor da igreja de Guisande e as ossadas foram removidas para o cemitério, por ocasião do bicentenário da erecção da confraria, acompanhada de 8 dias de sermões, que pregou um sacerdote dominicano, em Dezembro de 1933.

Para além destas escassas mas importantes referências, fica-se a saber que em 1933 (...esteve sepultado na capela-mor da igreja de Guisande e as ossadas foram removidas para o cemitério, por ocasião do bicentenário da erecção da confraria). Os seus restos mortais foram assim enterrados no cemitério, em local à esquerda de quem entra pelo portão principal, o que se pode comprovar pela fotografia abaixo, datada de Julho de 1966. 
O local foi assinalado pela colocação de uma lápide em granito, com uma altura entre um metro e meio a dois metros, encimada por uma cruz e com uma inscrição que fazia referência ao nome, ao motivo e à data da trasladação. Infelizmente não são conhecidas fotografias com mais pormenor da referida lápide que sirvam de fiel testemunho.




Conforme se pode verificar pela fotografia acima, ainda existiam as sebes de bucho a delimitar os quatro canteiros e para além dos jazigos da Casa do Sr. Almeida do Viso, da capela da Casa do Sr. Moreira da Igreja e mais um ou outro jazigo realizados em granito, a maioria das campas eram rasas, em terra, assinaladas com as características lápides negras em xisto. Nesse tempo as dificuldades eram outras e, porque não dizê-lo, as vaidades eram menores. 

Esta configuração do cemitério composto maioritariamente por campas rasas e sem concessão perpétua, durou até ao ano de 1973 altura em que a Junta de Freguesia e Comissão Fabriqueira ali realizaram obras, sendo removidas as sebes de bucho e pavimentados os passeios com calçada em pedrinha de calcário e basalto. A data, lá inscrita, conforme fotografia abaixo, refere-se a 1973, por isso ainda no tempo do Estado Novo. Era nessa altura presidente da Junta Joaquim Ferreira Coelho, o secretário Higino Gomes de Almeida e o tesoureiro Alcides da Silva Gomes Giro.


Com as referidas obras realizadas em 1973, a maior parte do terreno ocupado era ainda pertença da Junta, sendo então este dividido em sepulturas que foram sendo vendidas ao longo dos anos 70 e mesmo ainda em parte da década de 80 até que, já por falta de terreno vendável face à procura, se tornou imperativa a construção do cemitério novo. Infelizmente, esta requalificação decorrente das obras de 1973 resultou em sepulturas com pouca métrica e nenhumas preocupações de alinhamentos, pelo que se nota uma desorganização nos jazigos e nos exíguos espaços de circulação envolventes, mais notória no cantão norte/nascente, precisamente onde estavam os restos mortais do Padre Manuel Carvalho.

Mas mais grave que esta desorganização geométrica das actuais sepulturas, em parte motivada por cada um construir à sua maneira e à necessidade de manter uma ou outra sepultura já vendida com carácter de concessão perpétua, foi o facto de ter sido vendido o espaço ocupado pela sepultura dos restos mortais do padre fundador da Confraria, bem como a remoção da referida lápide cujo paradeiro se desconhece, temendo-se que mais do que o seu desaparecimento ou apropriação indevida por alguém, tenha mesmo sido destruída, despedaçada e enterrada algures no solo do cemitério ou de qualquer outro aterro. Mandava o bom senso e o sentido de preservação, e até o respeito pela memória de figura ilustre, que pelo menos a lápide e os restos mortais, se ainda visíveis, fossem colocados com dignidade num dos canteiros do adro, senão no próprio cemitério.

Apesar de o assunto já ter sido pegado por alguém num passado recente, nomeadamente pelo Sr. Mário Baptista, honra lhe seja feita, certo é que nunca se chegou ao apuramento da verdade quanto ao destino ou paradeiro da lápide. Foi, obviamente uma irresponsabilidade de várias pessoas, mesmo que por negligência involuntária, mas seguramente uma enorme falta de sensibilidade pelas coisas da nossa história e memória colectiva mesmo que na forma de uma pedra. Infelizmente para muitos as pedras são isso mesmo, pedras ou calhaus, mesmo que nos contem histórias, recordem factos, nos lembrem ou evoquem pessoas. 

É triste e revelador de insensibilidade e de ignorância, pelo menos cultural, mas foi o que aconteceu e em muitos aspectos ainda continua a acontecer e tem-se descurado o arquivamento de documentos e anotações que pelo menos no futuro seriam importantes para a história comum da nossa freguesia e paróquia. Não nos serve o mal dos outros como consolo, mas infelizmente este não é apenas um pecado nosso mas de muitas outras paróquias e instituições. Alegra-nos a esperança de pensar que nunca é tarde para se começar a preservar, mesmo que nos entristeça o muito que já foi perdido.


Acima, um desenho rudimentar com a representação aproximada da configuração da lápide de granito que assinalava a localização dos restos mortais do Padre Manuel Carvalho. Obviamente ali falta  a inscrição, que em rigor se desconhece mas que certamente para além do nome faria referência à data e ao motivo.

Américo Almeida

26 de julho de 2017

Construção da Escola da Igreja






O edifício da Escola Primária da Igreja foi construído e terminado no ano de 1969. Tal data está assinalada numa pequena placa de mármore disposta sensivelmente a meio da fachada principal, conforme fotografia acima. 
Pessoalmente, fiz a primeira classe na Escola Primária do Viso e já a segunda classe  e seguintes frequentei-as na nova escola da Igreja apesar de morar a dois passos da escola do Viso. Fui para lá no ano escolar de 1970/1971, por isso quase a estrear.

Infelizmente não são conhecidos documentos relacionados com a construção, sendo que o projecto obedeceu a um modelo tipo e que por essa época era generalizado e seguido um pouco por todo o país, de resto como aconteceu com a Escola Primária do Viso (edificada entre o final dos anos 40 e princípios dos anos 50), também ela com projecto de modelo tipo aplicado em todo o país, embora com as adaptações de dimensionamento de acordo com a população escolar, havendo edifícios com uma sala, com duas (como a do Viso), com três, quatro e até seis.

Nos dias que correm, seria normal que a construção de um edifício escolar, mesmo que da responsabilidade do Ministério da Educação ou da Câmara Municipal, merecesse o interesse, acompanhamento e referências documentais por parte da respectiva Junta de Freguesia. Todavia, pesquisando no livro de actas da Junta de Freguesia de Guisande em exercício nesse referido ano de 1969, em que era presidente António Alves Santiago, apenas encontrei umas ligeiras referências à construção da Escola Primária da Igreja. Trata-se da acta datada de 12 de Janeiro de 1969, a qual é toda ocupada com o assunto da escola. O documento, que abaixo se reproduz, é legível, mas em resumo diz que "...pelo presidente foi dito que no dia nove do corrente mês principiou a terraplanagem para o edifício escolar no sítio indicado pelo Sr. Engenheiro da Câmara, no lugar da Igreja, sítio muito arejado e bom; é empreiteiro desta obra o Sr. Joaquim Marques Lopes do lugar do Picôto da freguesia de Argoncilhe, empreiteiro com muita competência, ficando todo o serviço bem feito e seguro. O edifício já terminou de pedreiro no dia oito de Março, seguindo-se os trolhas e carpinteiros, que dentro de pouco tempo estará concluído todo. Fica um  belo edifício e num sítio muito aprasado."

Como se vê, as referências mesmo que ocupando toda a acta, são muito vagas mas pelo menos fica-se a saber o nome do empreiteiro para além da consideração do sítio como "arejado" e "aprasado". Há ali, no entanto, uma contradição de tempo já que é referido que a obra de pedreiro ficou terminada no dia 8 de Março quando a acta é de 12 de Janeiro, por isso uma data anterior. É uma contradição que só se justifica como tendo a acta sido lavrada já depois de Março embora reportada a Janeiro. É uma possibilidade já que a periodicidade e regularidade das reuniões de Junta  nesses tempos não eram rigorosamente cumpridas. Eram realizadas quando desse jeito.

A escola na altura era obviamente nova e com linhas modernas para o padrão da época. Tinha um jardim frontal e uma zona de recreio bastante ampla, em terra batida, a qual foi cimentada muitos anos depois. Claro está que no início, eram os próprios alunos quem tratavam da manutenção e limpeza semanais, varrendo-se as salas e o terreiro do recreio, limpando-se as instalações sanitárias e cuidando do jardim. Existia também uma cabine com a bomba do poço que alguns alunos tinham que girar a grande roda para encher o depósito de água para serviço dos sanitários. Claro que era uma brincadeira pois aproveitava-se o balanço da roda para fazer uma espécie de baloiço. Outros tempos, em que as empregadas de limpeza (hoje pomposamente técnicas auxiliares ou técnicas operacionais) eram uma raridade.

Nos anos seguintes foram sendo feitas algumas obras bem como a construção da parte do Jardim de Infância (nos anos 90). A cabine do poço e respectiva bomba foram posteriormente removidas.

Infelizmente, por más políticas caseiras e decréscimo da população escolar, como quem diz das crianças, tanto a escola do Viso como da Igreja ficaram sem alunos, deslocados para Louredo e Lobão. Apenas subsiste uma amostra de alunos no Jardim de Infância no lugar de Fornos.

Do mal o menos, o emblemático edifício da escola do Viso está aproveitado e integrado no Centro Cívico, bem como parte da escola da Igreja está entregue por protocolo a uma associação local, sendo que aqui o desejável é que seja ocupado e dinamizado plenamente por outras colectividades da freguesia, nomeadamente a Associação "O Despertar". Veremos o que reserva o futuro para estes equipamentos que marcaram gerações, onde lá aprendemos e brincamos e de certa forma moldamos muito do que somos hoje como pessoas e cidadãos.

Actualização a 11 de Novembro de 2018:
A sala até aqui vaga, do lado nascente, será ocupada pelo Banco Solidário, dinamizado pelo Grupo Solidário de Guisande e inserido no Fórum Social da União de Freguesias de Lobão, Gião, Louredo e Guisande, com inauguração prevista para o próximo Domingo, 18 de Novembro.



16 de junho de 2017

Cartaz da Comunhão Solene - Memórias de tempos idos


Quero deixar aqui um agradecimento às muitas pessoas que elogiaram o cartaz da Comunhão Solene, nomeadamente pela inclusão de fotografias antigas alusivas à procissão, e que trouxeram um sentimento de memória, nostalgia e saudade de outros tempos. Afinal recordar é viver ou mesmo reviver. Quantos de nós, os mais velhos, não guardamos doces recordações desse dia da nossa Comunhão Solene?  Certamente que quase todos. Pela parte que me toca, as memórias desse já longínquo dia 21 de Junho de 1973.

31 de maio de 2017

Vamos aos livros a Casaldaça

Pois claro, muitos já não se lembrarão, nem os mais novos nem os mais velhos, mas tempos houve em que a  rapaziada de Guisande recebia a visita da  Biblioteca Itinerante, da Fundação Calouste Gulbenkian. Era uma vez por mês, em hora e dia certos (que já não recordo quais, mas creio que numa quarta-feira por volta das 15:00 horas) que aquela carrinha de modelo esquisito, estacionava no largo de Casaldaça, ainda em terra, e abria as portas para que a rapaziada pudesse escolher uma nova remessa de livros que daria leitura para todo o mês. Os leitores tinham, obviamente, que estar registados, o que se podia fazer sem qualquer custo junto do funcionário e mês a mês tinham que devolver os livros para poderem levantar outros tantos.




 A Biblioteca Itinerante, da Fundação Calouste Gulbenkian durante muitos anos percorreu o país de lés-a-lés, especialmente em aldeias onde o acesso aos livros e à leitura era inexistente, como era o caso da nossa freguesia de Guisande.
Não pretendo aqui fazer a história deste fantástico serviço, até porque há locais onde isso já é feito e pela Internet não faltam referências ao mesmo, mas apenas referir que o serviço foi criado pelo administrador da Fundação, Branquinho da Fonseca, em 1958.  Na nossa freguesia de Guisande a Biblioteca começou a aparecer no início dos anos 70 e creio que terá deixado de aparecer por meados dos anos 80. Sei também que oficialmente o serviço durou de 1958 (com 15 carrinhas) a 2002. Durante esse período adquiriu cerca de cinco milhões de livros (de todos os géneros) e fez 97 milhões de empréstimos. Os serviços foram então entregues às autarquias que serviam.


Quanto à carrinha de modelo esquisito, sei agora  que correspondia ao modelo Citroen HY (fabricado entre os anos de 1947 a 1981), que só por si irradiava uma magia fascinante. A que vinha ao largo de Casaldaça era de cor verde-velho. Tinha duas portas na parte traseira que se abriam de par-em-par e uma parte superior que abria para cima, para dar acesso ao fantástico mundo dos livros, da leitura e do fascínio das histórias e das imagens. Essa aura de reino maravilhoso era reforçado pelo tipo de leitura dos primeiros anos, onde preferencialmente eu escolhia livros de contos de fadas, repletos de reinos, reis, rainhas, princesas, gigantes, anões, fadas, feiticeiras e todo o resto da família de seres que povoam o imaginário infantil.
Aos poucos fui deixando as histórias infantis e mergulhei em livros sobre a fauna e flora, repletos de ilustrações maravilhosas e muitos outros livros sobre a terra, a história, as artes e as ciências. Recordo ainda que aguardava-mos pelo dia da visita da Biblioteca Itinerante com justificada impaciência. Todos queriam ser os primeiros a ser atendidos para melhor escolher.
Lembro-me que eram dois os senhores que acompanhavam a Biblioteca, sendo um o motorista e o outro o encarregado ou revisor, o que anotava as devoluções e as requisições. Já não tenho a certeza quanto ao número de livros que se podia requisitar, mas creio que eram cinco ou seis.

Também recordo os momentos angustiantes quando tinha que devolver os livros danificados pela ira maternal, arreliada por, perdido na leitura, eu não cumprir os deveres da escola e da casa. Nessas alturas não havia outro remédio senão tratar dos ferimentos às páginas rasgadas colando-as com cola e com fita adesiva, daquela clássica, e dissimular o melhor possível os livros feridos entre os resistentes. Claro que o revisor dava por ela mas fazia vista grossa pois a devolução de livros danificados devia ser norma nas aldeias, resultado da luta dos pais, alguns analfabetos e pouco dados à leitura, preocupados apenas com a mão-de-obra da pequenada e o cumprimento das suas responsabilidades. A leitura e o tempo com ela despendido  era considerada  pura malandrice pelo que os culpados, os livros, eram mal vistos e pior tratados. Castigava-se assim, de uma assentada, o leitor e os livros.

Hoje, felizmente, há livros por todo o lado e qualquer concelho ou freguesia já dispõem de boas bibliotecas, como o caso da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira onde é possível requisitar livros para leitura domiciliária.
O livro, apesar de relativamente caro, está bastante disseminado e tornou-se vulgar na casa dos portugueses e a pequenada desde cedo habitua-se a receber bons livros como prendas de aniversário, Natal, Páscoa e noutras ocasiões ordinárias.
 
Por tudo isto, toda a malta da minha geração tem uma profunda memória e admiração pelo serviço da Biblioteca Itinerante, já que graças a ele viajámos no tempo  por reinos maravilhosos, com histórias fascinantes e aprendemos coisas do mundo que nos rodeia. Enfim, crescemos ajudados por tudo quanto aprendemos através dos livros que num momento mágico chegavam ao largo da aldeia naquelas carrinhas maravilhosas.

11 de maio de 2017

Historiando – Quando os párocos eram secretários da Junta de Freguesia

No seguimento da referência que no artigo recente fizemos ao Padre Abel Alves de Pinho, este fez parte da Junta de Freguesia de Guisande, nesses tempos ainda com a designação de Junta Paroquial de Guisande, na qual exercia o cargo de secretário e que habitualmente escrevia as actas das reuniões daquele órgão. Exerceu esse cargo pelo menos desde 1914 (data do início do livro mais antigo das actas das reuniões da Junta) até 1923, já que nesse ano, a 21 de Outubro tomou posse como pároco de Guisande o seu substituto Padre Rodrigo José Milheiro. Não conseguimos, todavia, apurar se este cargo de secretário pelo pároco resultava de eleição, nomeação formal ou informal ou simplesmente a título de voluntário ou mesmo por inerência tendo em conta o seu estatuto de pároco, o que na prática e na época lhe conferia o estatuto de pessoa mais importante da freguesia. É um assunto a procurar esclarecer noutra altura.
 
Pela consulta do livro de actas da Junta Paroquial de Guisande, em concreto pela acta de 21 de Outubro de 1923, abaixo reproduzida, foi apresentado o novo pároco, Padre Rodrigo José Milheiro, bem como o presidente da Junta informa que com a saída do antigo pároco Padre Abel Alves de Pinho, por exoneração pedida por este, certamente por idade avançada, ao abandonar Guisande decidiu vender a sua habitação, suas pertenças e terrenos, em 11 de Outubro de 1923, ao Reverendo Joaquim Esteves Loureiro. Esta venda foi a título de recordação pela sua passagem pela freguesia de Guisande e com o objectivo claro de passar a ser a residência dos futuros párocos da paróquia de S. Mamede de Guisande.
Não conseguimos apurar quem seria este Reverendo Joaquim Esteves Loureiro, mencionado na acta, a quem o Padre Abel Alves de Pinho vendeu a casa onde residia, suas pertenças e terrenos, incluindo uma parcela de olival atrás do cemitério (ocupado pelo actual novo cemitério), mas certamente seria algum clérigo representante do Paço Diocesano. Deduz-se também que tenha sido uma venda a título simbólico dado a junta considerar tal como um benefício. Seja como for, parece garantido que a nossa actual residência paroquial de Guisande e respectivas pertenças e terrenos, eram nessa altura propriedade particular do Padre Abel Alves de Pinho.
A residência paroquial tem na fachada principal a inscrição da data de 1907 que se deve referir ao ano de construção, ou seja, precisamente no ano em que o seu proprietário foi instituído como pároco de S. Mamede de Guisande. Teria, naturalmente, que ser pessoa de posses e com expectativa de ficar em Guisande muitos anos, o que de resto não aconteceu pouco esteve apenas dezasseis anos, de 1907 a 1923.
 
De resto, esta boa atitude e generosidade na hora da despedida de Guisande e seus paroquianos, mereceram por parte da então Junta Paroquial de Guisande um voto de louvor e agradecimento por “todos os benefícios prestados” e ao mesmo tempo um voto de “sentimento por ter pedido a exoneração do cargo de pároco desta freguesia onde todo o povo sempre o estimara e admirava”. Nessa reunião ficou ainda deliberado enviar uma cópia da respectiva acta ao já retirado pároco, como prova dos votos expressos.

Acima as três páginas da acta da reunião de 21 de Outubro de 1923, a partir da qual o Padre Abel Alves de Pinho deixa de secretariar as reuniões da Junta Paroquial de Guisande e simultaneamente é apresentado o novo secretário e novo pároco de S. Mamede de Guisande, o Padre Rodrigo José Milheiro.
 
Como já referimos em artigo anterior, o Padre Abel Alves de Pinho era natural da freguesia de Fiães, do concelho de Vila da Feira. Não conseguimos apurar grandes dados biográficos deste sacerdote e figura importante na freguesia de Guisande nas duas primeiras décadas do séc- XX, para além da sua naturalidade e da sua substituição pelo Padre Rodrigo José Milheiro. Pela leitura da acta, como já se referiu, o seu abandono da paróquia terá sido por exoneração a pedido do próprio, certamente pela sua idade avançada. Para a história da freguesia e paróquia de Guisande fica a memória da sua prestação como pároco, secretário da Junta Paroquial e como benemérito ao vender a sua propriedade com a obrigação de passar a ser a residência dos párocos de Guisande, o que aconteceu até ao falecimento do pároco Padre Francisco Gomes de Oliveira, em 8 de Maio de 1998. Apesar de já não ter funções de residência, e tem-se equacionado a sua requalificação para voltar a cumprir esse propósito, todavia ainda é um edifício do Paço Diocesano e por inerência da paróquia, servindo de apoio às actividades da mesma.
 
Quanto ao Padre Rodrigo José Milheiro, que substitui como pároco de Guisande o Padre Abel Alves de Pinho, pouco mais sabemos da sua biografia para além de que que era natural da freguesia vizinha de Pigeiros. Foi pároco de Guisande desde 21 de Outubro de 1923 até 11 de Setembro de 1936 (treze anos), data em que tomou posse como pároco na paróquia de Santo André de Escariz, concelho de Arouca. Escariz, é uma antiga freguesia, com  foral concedido por D. Manuel em 10 de Fevereiro de 1514, que chegou a pertencer ao antigo concelho de Fermedo, este extinto pela reforma de 24 de Outubro de 1855 e pelo qual passou a pertencer ao concelho de Arouca.
 
Fica assim mencionada para memória presente e futura este período da história da Junta de Freguesia (Paroquial) de Guisande, em que dois padres e párocos assumiram o papel de secretário. Todavia, como já atrás referimos, faltará esclarecer se este cargo de secretário exercido pelos dois párocos de então resultava ou não de eleição, se por nomeação formal ou informal ou simplesmente a título de voluntário ou mesmo por inerência, tendo em conta os seus estatutos de párocos. Como já dissemos, é um assunto a procurar esclarecer noutra altura.
A. Almeida

14 de abril de 2017

Crónica Feminina–52 anos depois

 

SEXTA1

 

15041965

Capa da revista “Crónica Feminina” – Nº 438 de 15 de Abril de 1965, pelo que amanhã passam 52 anos sobre a sua publicação.

Neste dia de Sexta-Feira Santa faz sentido uma imagem de compenetração e oração, coisa rara nos dias que correm e sobretudo em crianças. Isto poderia dar pano para mangas de reflexão mas porventura o dia é pouco ou nada propício a calcar os calos a quem quer que seja. Vamos pois, ficar apenas pela imagem do rapazinho, que por acaso até sabemos o nome: José Eugénio Torras.

5 de abril de 2017

Brincadeiras de ontem e de hoje



Bem sabemos, eu e vocês, que os tempos mudaram e não podemos decretar que agora é que é, ou que nesse tempo é que era. Há, pois, coisas na nossa sociedade que mudaram, porventura umas para melhor, ou mesmo para muito melhor e outras para pior. De resto tudo isto é mudança. Seja como for, parece-me que as mudanças, pelo menos ao nível de comportamento e valores, ocorreram numa lógica do 8 para o 80 e daí muitos exageros.
 
Veja-se o caso da ocupação dos tempos livres das crianças e adolescentes dos dias de hoje: Regra geral, em casa, sozinhos, debruçados ao computador, ao tablet ou ao smartphone, invariavelmente na Internet, em jogos ou nas redes sociais e sem grande aproveitamento nas muitas coisas de bom existentes na área da cultura e ensino e que poderiam contribuir para uma valorização pessoal e escolar. No meu tempo e no de muitos vocês, não havia tecnologias, pelo que esta mesma faixa etária passava os tempos livres na brincadeira, pois claro, e nos intervalos das tarefas domésticas, coisas que agora não há para a criançada. Jogava-se então à bola, aos jogos tradicionais no largo do lugar, aos "filmes", percorrendo as matas da vizinhança ou mesmo pelas margens da ribeira abaixo à "pesca" de bogas aos domingos de Verão à tarde. Tudo isto com uma coisa em comum: A brincadeira em grupo e ao ar livre.

Em resumo, nos tempos de hoje a regra é o passatempo de forma solitária, isolada e interior. Se com outros "amigos", apenas de forma virtual e quase sempre sem o controlo dos pais, por isso sujeitos a aliciamentos, a fraudes e a outras coisas bem negativas que conduzem a dramas que os media nos vão relatando diariamente. Não nos parece, nem aos especialistas, que seja a forma mais saudável e já há casos de dependências e preocupações futuras quanto a problemas de saúde, em postura, visão e outras decorrentes de horas a fio passadas frente aos monitores das novas tecnologias.
 
 No meu tempo é que era, mesmo que nem tudo fosse bom ou positivo, mas sendo agora as coisas diferentes em muitos aspectos para melhor, parece-me que há perdas irrecuperáveis como a partilha, o companheirismo, a interacção, a brincadeira física e o ar livre, aspectos sempre salutares ao desenvolvimento infanto-juvenil.

Estas coisas vão sendo diagnosticadas e reflectidas, mas parece que não há volta a dar na sua melhoria e não se pode esperar muito das famílias nem das escolas, infelizmente pilares que têm vindo a perder alguns dos valores que poderiam contribuir para um adequado equilíbrio (a palavra chave em tudo isto) entre as coisas boas do nosso tempo e as muitas coisas boas do tempo de agora.

 Assim sendo, siga a rusga que o que for há-de ser.

30 de março de 2017

Definitivamente provisórios


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Bem que tentei, porque achava que na puberdade o fumar nos dava uma ar de importância e rebeldia e não menos importante, impressionava as raparigas, mas nunca gostei do hálito a cinzeiro e o vício não pegou. Ainda troquei várias vezes os 25 tostões, que minha mãe me dava, para comprar uma sande de um quarto de sêmea com um queijinho ao recreio da escola, por maços dos mais rascas, na antiga loja da Dorinda, em Fornos, a caminho do Ciclo em Lobão, mas nada. Quem os “papava” eram o Mota, o Lino e o Vitor. Ainda bem que a coisa não deitou raízes. Ganhou certamente a carteira e, mais importante, a saúde. Assim como assim, era bem melhor a sande com aquele pequeno queijo triangular "Saúde" amassado naquele saboroso pão de mistura.
 
Seja como for, o tabaco, os cigarros, fazem parte das nossas memórias e por isso ainda sou do tempo dos Provisórios, dos Definitivos, dos Negritas, dos Ritz e dos Kentucky (mata-ratos) e outros mais, emblemáticos, que de um modo geral já não se comercializam ou se modernizaram. Por esses tempos, e no meu tempo é que era, até os principais clubes de futebol tinham o seu nome como marcas de cigarros, como o Benfica, o Sporting e o Porto.  Ainda me recordo de a caminho da mercearia em Casaldaça, o saudoso Sr. Silva, avô da esposa do Sr. Manuel Tavares, do lugar do Viso, assomar bonacheirão à janela do andar e atirando-me uma moeda de 1 escudo pedia-me para lhe trazer da loja um maço de Sporting. Volta e meia, por esse favor, dava-me liberdade para gastar o troco numa qualquer lambarice. Não sei se era adepto do clube, ou se apenas tinha uma apreço especial pela marca, mas que foi assim muitas vezes, foi. 
 
Já o Porto, deram-me dissabores à farta porque o meu avô interrompia-me os desenhos animados para “ir num instante" à Quitanda dos Paivas, nas Quintães, comprar meia dúzia de cigarros. Sim, vendiam-se avulso. Mas que raio, para além de avô era o dono daquilo tudo (da televisão), na altura a única no lugar de Cimo de Vila e arredores e por isso havia que obedecer para ter lugar de telespectador assíduo. Bem que galgava o caminho mais rápido que o Speedy Gonzalez mas quando regressava ao lugar com a encomenda, porque era a subir, já os cinco minutos de bonecada estavam nas legendas finais, com um vistoso The End ou um Koniec, este nos filmes de leste apresentados pelo Vasco Granja, ou então tinham já dado lugar a um Sousa Veloso, algures com o seu TV Rural na Feira do Cavalo na Golegã ou a um Vitorino Nemésio, naquele olhar embaciado por detrás de grosso óculos. Se bem me lembro..  
 

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28 de março de 2017

Historiando - RCG - Rádio Clube de Guisande



Em meados dos anos 80 Portugal vivia a anarquia das rádios piratas, sobrepondo-se de forma rebelde e irreverente ao monopólio das poucas e únicas rádios nacionais, como a  Rádio Difusão Portuguesa, a Rádio Renascença e a Rádio Comercial. A pirataria radiofónica que se propagou rapidamente a todo o país, foi um processo que terminou em 1989 com o Governo finalmente a legislar e a regulamentar a sua actividade. Não podia deixar de ser, mas porventura não da forma mais justa e adequada, mas, como se adivinhava, a favorecer alguns interesses entretanto já instalados, nomeadamente o poder de muitas câmaras municipais que viam nessas rádios instrumentos perfeitos e "testas-de-ferro" para a apologia do status quo.

No concelho de Santa Maria da Feira eram várias as rádios piratas, incluindo a RCG - Rádio Clube de Guisande.
No processo de atribuição de licenças, o nosso concelho ficaria apenas com duas frequências. A RCG ainda integrou o consórcio Rádio Terras de Santa Maria, que abrangia diversas rádios, congregando forças para ampliar as possibilidades na atribuição, mas desde logo adivinhou-se que ia sair vencedor quem tivesse mais peso e influência e já estivesse a mexer os cordelinhos nos bastidores. Assim passaram nesse crivo a Rádio Clube da Feira e,  surpreendentemente, a Rádio Águia Azul, as quais ao longo dos anos próximos, com altos e baixos e mudanças de propriedade, nem sempre tiveram o vigor e a importância que seria de esperar. De algum modo ficou a ideia que nem se comeu nem se deixou comer.

A Rádio Clube de Guisande foi fundada por Rui Giro e Américo Almeida, no Verão de 1984, no âmbito das actividades da então dinâmica Associação Cultural da Juventude de Guisande. Pelo que eram necessários conhecimentos técnicos, a dupla contou com o apoio do António Pinheiro, entusiasta da electrónica, que já tinha um pequeno transmissor e que foi aproveitado. Mais tarde foram melhoradas as condições técnicas com um transmissor mais potente e com a instalação de uma antena montada num alto poste que ali na sede foi montado e que ainda lá se encontra.

Durante quase cinco anos a Rádio Clube de Guisande foi crescendo dentro das suas limitações técnicas  e humanas mas não deixou, enquanto existiu, de ser um importante ponto de encontro e convívio de um grande grupo de jovens, não só da freguesia como de outras terras. Música, desporto, entrevistas, passatempos e cultura, estiveram sempre presentes na antena difundida na frequência modulada (FM) 107.7. O amadorismo evidente a par das insuficiências e improvisos técnicos por vezes pregavam das suas e pelo meio de uma música mais espiritual ou de uma introdução mais compenetrada lá saía uma "caralhada" vinda de uma qualquer cassete. Mas foi uma boa época e fizeram-se coisas engraçadas e motivadoras. Podemos dizer que foi o período áureo do movimento juvenil na nossa freguesia.

No seu processo de crescimento e desenvolvimento foram realizadas obras e melhoramentos ao nível do equipamento e de um estúdio "cinco estrelas" e a instalação de uma antena, conforme atrás referido, que permitia a radiação do sinal para quase todo o concelho e não só. 

A Rádio Clube de Guisande, terminou por imperativos legais em 1989 mas para além das memórias e apontamentos para a história da freguesia e do concelho, que mereceriam uma mais profunda análise, ficaram alguns vestígios que ainda permanecem, como é o caso (ver fotografia acima) da antena exterior, ao lado da velhinha sede da ACJG, a sede do jornal "O Mês de Guisande", ainda vertical e vigorosa como um monumento à memória dessa época e desse movimento. O processo da sua própria instalação daria uma interessante história. Ficará para outra altura.

A. Almeida

15 de fevereiro de 2001

O Carnaval em Guisande

O Carnaval é um festival popular relacionado às raízes do cristianismo ocidental. Ocorre antes da estação litúrgica da Quaresma. Os principais eventos ocorrem tipicamente durante Fevereiro ou início de março, durante o período historicamente conhecido como Tempo da Septuagésima (ou pré-quaresma). O Carnaval normalmente envolve uma festa pública e ou desfile combinando alguns elementos circenses, máscaras e uma festa de rua pública. As pessoas usam trajes durante muitas dessas celebrações, permitindo-lhes perder a sua individualidade quotidiana e experimentar um sentido elevado de unidade social.

O consumo excessivo de álcool, de carne e outros alimentos proscritos durante a Quaresma é extremamente comum. Outras características comuns do carnaval incluem batalhas simuladas, como lutas de alimentos, sátira social e zombaria das autoridades e uma inversão geral das regras e normas do dia-a-dia.[fonte: Wikipédia]

Esta introdução ao sentido do Carnaval será a mais comummente aceite, sendo que nos tempos modernos ela generalizou-se e transformou-se, tornando-se mais num evento folclórico e sobretudo dirigido às massas e indústria do turismo, como é o caso do Carnaval do Rio de Janeiro no Brasil. Mesmo em Portugal, sendo certo que há manifestações de um Carnaval ainda muito tradicional, sobretudo em pequenas aldeias do interior, e destas as principais em Trás-os-Montes e Beiras, mas no litoral os eventos carnavalescos tornaram-se também eles meras organizações para turista ver, resultando já não em manifestações genuinamente populares e espontâneas mas principalmente com estruturas organizativas fortes e subsidiadas. Em resumo, comercializadas. 

Em todo o caso, o Carnaval, mesmo o que se vive em Portugal, seja o mais comercial ao mais popular, é um evento muito apreciado pela generalidade do nosso povo.

O Carnaval em Guisande:

Em Guisande, as manifestações ligadas ao Carnaval nunca foram marcantes nem consequentes e regulares no tempo a ponto de estabelecerem uma tradição com raízes. De resto como nas demais freguesias vizinhas. Manifestações mais ou menos organizadas e com regularidade são raras e sobretudo na freguesia vizinha de Caldas de S. Jorge onde o contexto turístico das Termas em muito ajudou a essa continuidade. 

Apesar disso, são conhecidas e ainda lembradas pelos mais velhos algumas carnavaladas episódicas e com preponderância num ou noutro lugar da freguesia e por vezes pelo impulso de uma ou outra figura mais característica desses lugares.

Por exemplo, no lugar do Viso, recordo que nos meus tempos de criança e adolescente, por isso pelos idos anos de 1960 e 1970, o Carnaval marcava sempre presença e sempre com a intervenção da criançada. grosso modo, o grupo tratava com tempo de ir ao mato colher um carvalho de porte adequado, que era arrastado para a borda do Monte do Viso, próximo da escola e ali era fixado ao alto. Depois era um arrastar contínuo de lenha do mato e tudo o que pudesse arder, incluindo velhos pneus e trapos, de modo a amontoar à volta do carvalho, como se de uma árvore de Natal se tratasse. No cimo da árvore pendurava-se um grande espantalho.

Ao princípio da noite, quase sempre após o jantar, era o momento esperado, o acender do fogueirão o qual pela sua dimensão seria visto em toda a parte baixa da freguesia. A imagem acima de algum modo ilustra o que de semelhante então acontecia no lugar do Viso. Claro, escusado será dizer, que quando o dia de Carnaval calhasse num dia de chuva era um cabo dos trabalhos para fazer arder a árvore e aí recorria-se a petróleo e a lenha e moliço secos para ajudar a engrenar. 

Nessa altura do acender da fogueira os mais velhos também vinham assistir. Noutros lugares da freguesia, como Estôse e Casaldaça, também era comum o acender de fogueiras ou borralheiras. Paralelamente, as habituais brincadeiras de crianças com o uso de bisnagas de água, algumas mais sofisticadas na forma de peixe e pistola e que por esse altura se compravam como brinquedos, na Quitanda das Quintães. Também, para as meninas, o atirar do pó-de-arroz e outras matreirices. Era sem dúvida um dia de brincadeiras alegres e num tempo em que as crianças brincavam na rua, muito ou totalmente ao contrário do que sucede nos tempos modernos.

Era, pois, um simbolismo genuíno, mesmo que então pouco compreendido, do queimar do tempo velho e a preparação para o tempo novo ao qual se transitava pela carestia da Quaresma, a qual por esses tempos era vivida com algum rigor, no que respeita ao respeito pelo jejum e abstinência bem como da participação nos  serviços religiosos, como a reza do Terço e a Semana de Pregações.

1 de fevereiro de 2000

Catecismo - "Quem sóis Vós, Senhor?" - Catecismo do 1º ano - Iniciação



Este catecismo foi posto em circulação em 1971, patrocinado pela Comissão Episcopal da Educação Cristã e pelo Secretariado Nacional da Catequese, numa fase experimental, com o propósito de colher sugestões de párocos, pais e catequistas. Depois disso consolidou-se e continuou a ser utilizado durante vários anos incluindo os anos 80. A edição que possuo e da qual extraí as ilustrações deste artigo é de 1987.

Trata-se de um catecismo que graficamente rompia com as características mais realistas da anterior série do Catecismo Nacional, em uso nos anos 50 e 60, do qual falaremos em próxima oportunidade. Por conseguinte as ilustrações ocupam um maior espaço, bastante coloridas e de traço mais estilizado. Os textos também são mais resumidos, confinando-se a frases curtas e objectivas, quase sempre extraídas da Bíblia e do Evangelho. Como quase todos os catecismos do 1º ano dá forte ênfase às principais etapas da vida de Cristo, tal como a Anunciação, Natividade, Paixão e Ressureição.

É composto por 24 lições e comporta ainda as principais orações como o Benzer, o Pai-Nosso, Avé-Maria, Oração da manhã, Oração da Noite e o Acto de Contrição.

Formato: 117 x 168 mm - 64 páginas. Não tem indicação do ilustrador.

É um catecismo muito bonito e que certamente faz parte da memória de tantos portugueses que na época frequentaram a catequese católica.






1 de janeiro de 2000

Catecismos de outros tempos - Doutrina Cristã - I Volume - Primeira Comunhão


De todos os livros que marcaram a minha infância, e creio que a de muitos rapazes e raparigas da minha geração aqui em Guisande, os catecismos, a par dos livros da escola primária, ocupam um lugar especial na prateleira das nossas recordações, memórias e nostalgias.

Nesta secção dedicada aos catecismos, trago à luz da memória o meu catecismo da primeira classe. Trata-se do primeiro volume de uma série chamada “Doutrina Cristã – Catecismo Nacional”, uma edição do Secretariado Nacional de Catequese, publicado durante os anos 50 e 60 e que serviu de base para o ensino da catequese ao nível de todo o país. Estes catecismos foram impressos na Litografia União Limitada, de Vila Nova de Gaia.

Este primeiro volume está profusa e excelentemente ilustrado pela mão da artista Laura Costa, com o seu traço inconfundível, repleto de cor e pormenor. Cada ilustração, por si só, era uma lição e estou certo de que muitos recordarão o seu Catecismo apenas pela beleza das respectivas gravuras.

O Catecismo tem uma dimensão de 12 x 17 cm e 32 páginas.

É importante referir que estes catecismos, tinham uma publicação de apoio, chamada de Caderno de Trabalhos Práticos (que possuo), com gravuras das lições, a preto e branco, destinadas a serem pintadas pelos alunos, bem como textos picotados, também destinados a serem preenchidos. Todavia, talvez pelo seu custo, acrescido ao do catecismo propriamente dito, e dadas as dificuldades económicas da maioria dos pais das crianças nesse tempo, tenho a ideia de que muito raramente este caderno era adquirido. Pelo menos não me recordo de o possuir na altura nem de o mesmo ter sido aplicado na minha Catequese.

Por outro lado, existia ainda um volume auxiliar, destinado às Catequistas, chamado Guia de Ensino, bastante extensivo, com a explicação da mensagem da aula e respectivas actividades, constituindo-se num excelente auxiliar das sessões de Catequese, principalmente em meios pobres onde nem sempre as Catequistas tinham formação adequada.

De referir que quando transitei para a segunda classe da Catequese (por alturas de 1969), foram adoptados outros catecismos, pelo que tudo indica de que esta série de que falámos deixou de ser publicada e utilizada, desconhecendo-se se tal mudança ocorreu a nível nacional, ou apenas no âmbito Diocesano, mas tudo parece indicar que a alteração editorial foi geral. De qualquer forma esta fantástica série “Doutrina Cristã – Catecismo Nacional”, vigorou pelo menos durante duas décadas, um caso invulgar de longevidade, tendo em conta que actualmente os manuais de escola e catequese mudam quase de ano para ano e com edições diversas.

Os objectivos deste primeiro volume, vocacionados para a preparação da Primeira Comunhão, estavam assim expressos no prefácio do mesmo:

    “ Eu sou a Verdade” – disse Jesus. O presente Catecismo vem dar cumprimento a um voto do Concílio Plenário. É destinado a todas as crianças de Portugal, que devem fazer a sua primeira Comunhão à roda dos 7 anos (como desejava São Pio X) a fim de despertar já nos seus corações infantis uma autêntica vida cristã.

    Foi para facilitar o trabalho educativo nas Famílias, nas Catequeses e nas Escolas, - a quantos são responsáveis pela alta missão de fazer desabrochar na alma infantil a virtude e a santidade, - que este Catecismo se elaborou por iniciativa do Venerando Episcopado.

    Espera-se que o zelo de todos os educadores cristãos faça valorizar o presente texto oficial, cujas lições se acham ligadas ao Tempo Litúrgico (de fins de Outubro a Maio: as lições marcadas –A, servem para melhor permitir essa ligação, na hipótese duma aula semanal).

    Ensinando-se, cuide-se da formação cristã da criança: atenda-se às condições várias da sua preparação cristã e desenvolvimento; faça-se com que ela compreenda toda a doutrina, a ame e aplique à sua vida; procure-se que retenha de memória o que deve reter e consequentemente se prepare de modo a poder já confessar-se e comungar pelo Tempo Pascal.

    Na festa de Nª Sª do Rosário, aos 7 de Outubro de 1953. M. Cardeal Patriarca.

Como verificámos por este texto, este primeiro volume tinha objectivos específicos mas concretos no ensino da doutrina das crianças que pela primeira vez entravam no ciclo da Catequese.

Oportunamente falaremos dos restantes volumes desta série de Catecismos. Abaixo deixamos algumas páginas deste catecismo bem como do tal caderno de apoio (duas últimas imagens).










Fontanários – Lavadouros Públicos


Os lavadouros ou fontanários públicos são infra-estruturas existentes em muitas das nossas aldeias, construídas pelas câmaras municipais e juntas de freguesia, sobretudo nos anos 50 e 60. Eram equipamentos que vieram dar resposta a necessidades básicas das populações, como o acesso ao abastecimento de água bem como a locais adequados à lavagem das roupas.

Numa época em que poucas aldeias tinham rede eléctrica, os poços eram raros e os que existiam eram destinados essencialmente a rega, com extracção de água a ser feita pelos tradicionais engenhos, movidos a força animal ou, mais tarde, por motores a petróleo, caros e nem sempre eficientes, os fontanários tiverem um papel importante no quotidiano das populações locais.

Por conseguinte, para abastecimento de água para as necessidades do dia-a-dia, existiam sobretudo as nascentes naturais e minas, nas encostas dos montes, mas implicavam deslocações para o seu transporte, sendo uma tarefa tão necessária quanto dura e difícil. Por esses tempos poucas eram as casas com fontes próprias provenientes de minas e delas sobretudo a das casas mais abastadas.

Com os fontanários, distribuídos por vários locais de cada aldeia, tornou-se mais fácil e cómodo aceder a este recurso no que foi uma substancial melhoria das condições do povo.
A freguesia de Guisande também teve o seu período áureo destes equipamentos, quase sempre incorporando as componentes de fontanário e lavadouro.

Correndo o risco de omitir um ou outro, são conhecidos os dos seguintes lugares: Cimo de Vila, Viso, Reguengo, Fornos, Casaldaça, Quintães e Estôse. A maior parte ainda funciona mas, naturalmente, pouco ou nada utilizados, seja como fontanário ou como lavadouro.

O lavadouro das Quintães, muito vivo nas nossas memórias, pois ficava num local de passagem habitual de quem se dirigia vindo das Quintães para a Igreja, sobretudo usando o carreiro como um atalho,  já não existe desde os meados doas anos 1990. Foi vendido pela Junta de Freguesia de então. Naturalmente que numa legítima opção de gestão e num processo legal e aprovado em Assembleia de Freguesia, mas sem dúvida uma perda irreparável para o património colectivo. 

Para além do mais, e para maior pena neste processo, desconhece-se qualquer levantamento fotográfico que tenha sido efectuado, pelo menos para preservar a memória imagética de um equipamento que durante muitos anos serviu as populações e que assim fazia parte do nosso património rural e colectivo.

Para a criançada da escola da Igreja, foi palco de muitas aventuras e traquinices e era um local de reunião e muitas vezes ali se resolviam as contas, as redacções e as palavras difíceis que a professora encomendava como o trabalho de casa. O acesso a este fontanário realizava-se por uma interessante viela, em calçada de pedra e bordejada de morangos silvestres, com entrada na actual Rua das Quintãse, junto ao limite sul da casa da Rosário Lopes.

Do mesmo modo, quanto ao fontanário/lavadouro de Fornos, artisticamente um dos mais bonitos, o terreno que ocupava foi permutado também num processo pela Junta e Assembleia de Freguesia. Apesar disso, pelo menos neste caso houve o bom senso e o cuidado de ser reconstruído num local próximo, com o aproveitamento dos materiais do original , incluindo o elemento em pedra talhada com lápide em mármore, com a inscrição "Amigos de Fornos e Junta", bem como da tradicional bomba de extracção e a respectiva roda. Do mal o menos. Este lavadouro ainda hoje é utilizado.
Este fontanário/lavadouro localizava-se entre o limite sul da Casa do Bacêlo e o terreno actualmente propriedade do Sr. Valter Neves. O fontanário localizava-se a uma cota baixa, pelo que o acesso era por uma escada estreita.

O fontanário do Viso, localiza-se na zona chamada de Vale Grande, a norte da casa do Sr. Manuel Tavares. Por se situar num local um pouco ermo, nos anos 80, não sem alguma polémica, foi edificado um fontanário com lavadouro na encosta do monte do Viso, sendo demolido, em 1990, aquando das obras de requalificação do respectivo local. Foi-se o novo mas ficou o velho, com boa e generosa água mas, naturalmente, abandonado.

O fontanário de Casaldaça, era muito concorrido, sobretudo como lavadouro já que a sua água nunca foi muito apreciada nomeadamente por se considerar ser água infiltrada da ribeira que corre ao lado.
Para os mais novos, convém referir que o antigo caminho passava ali numa cota mais baixa do que a actual estrada. Frequentemente as águas da ribeira, sobretudo no Inverno, eram demasiadas para a estreita passagem e galgavam por cima do caminho o que dificultava a passagem de que descia do Viso e Quintães para Casaldaça, a caminho das mercearias locais.
A Junta da União das Freguesias de Lobão, Gião, Louredo e Guisande, em 2015 realizou ali obras de conservação e voltou e repor a água na fonte mas na actualidade encontra-se novamente sem água na fonte, sem grande utilização e, em rigor, abandonado.

O fontanário do Reguengo será um dos mais bonitos, sobretudo pelo enquadramento, junto ao moinho e ribeira e até há pouco tempo tinha água abundante e de qualidade. Com a pressão urbana nas proximidades da nascente, a água tem estado classificada como imprópria para consumo, o que é pena. O local envolvente continua abandonado e sem qualquer preocupação por parte das Juntas na sua conservaçãoe requalificação. 

Do mesmo modo, o fontanário de Cimo de Vila também tem tido a água imprópria. Este fontanário sempre foi abundante de águas, provenientes da encosta das Corgas e para além de abastecer a fonte e o lavadouro, muito concorrido, as águas sobrantes eram retidas numa presa ao lado e aproveitadas para regas. As águas desta presa, com vários consortes, regavam campos no próprio lugar bem como das Quintães e Viso.
Com a construção da Auto-Estrada A32 a nascente deste fontanário de Cimo de Vila foi destruída e tanto quanto se saiba, sem qualquer compensação ou substituição, numa grave omissão por parte da Junta de Freguesia de então. Para minorar o corte da água, numa acção de  chico-espertice, foi feita uma ligação à rede proveniente da nascente do Monte da Mó, que abastece a fonte no Monte do Viso, mas principalmente no tempo de Verão a água é pouca o que gera situações de descontentamento e conflitos na sua gestão. Quanto à estrutura que cobre o equipamento, sem qualquer estética, encontra-se degradada.

O fontanário/lavadouro de Estôse também sempre foi muito utilizado mas foi igualmente, uma "fonte" de problemas constantes para as diversas Juntas, quanto à sua conservação e manutenção, nomeadamente pelo facto de estar implantado à face de um grande muro de sustentação de terras.
Tendo em conta que na altura de Verão a água deixa de cair naturalmente na fonte, a Junta de Freguesia levou a cabo (anos 80) a perfuração de um furo o que tem garantido o abastecimento mas por vezes com cortes nomeadamente por problemas no sistema eléctrico.

Sem a componente de lavadouro, e apenas como fonte, também importa trazer à memória a Fonte do Ribeiro, junto  à ribeira da Mota, onde esta atravessa a estrada. Com as obras da Alameda da Igreja, no início dos anos 90, esta fonte foi, e muito bem, preservada, tendo sido criado um acesso por escada. É um dos bons exemplos de preservação já que mesmo pouco ou nada utilizada, não deixava de ser um elemento do nosso património rural. 
A esta fonte esteve sempre ligado um mito de que as suas águas teriam como nascente a zona do cemitério, pelo que a criançada dizia que "era água dos mortos". Fosse ou não fosse, era uma água bem viva e refrescante e que ajudou a matar muitas sedes da criançada da escola da Igreja. A este propósito, diga-se em abono da verdade, a malta preferia a bica de frescas águas que caíam abundantes lavadouro particular da Ti´Ana Fontes, hoje desaparecido na sua configuração original e que em horas de intervalo ou recreio da escola ou da catequese, sobretudo em dias quentes, abria-se generosa à sede de magotes de crianças esbaforidas e ofegantes com as correrias e brincadeiras.

Também em 1999, a Junta de Freguesia de Guisande, com a cedência por parte dos consortes, aproveitou uma nascente existente no Monte da Mó para trazer água natural até uma fonte que instalou no Monte do Viso, debaixo da sombra do secular sobreiro.
Conforme atrás referido, a água desta nascente foi dividida com o fontanário de Cimo de Vila.

Para comodismo dos utilizadores destes fontanários e lavadouros, as juntas nos anos 80/90 procederam à sua cobertura, mas nem sempre da melhor forma, com estruturas em chapa ou em betão, mas sem qualquer cuidado estético o que em nada dignificaram estes elementos do nosso património rural.
É verdade que os tempos são outros e já todos temos a água na torneira, mesmo da rede pública que serve a generalidade da freguesia, e a roupa é lavada na comodidade de uma máquina eléctrica.

Todavia, pela importância que tiveram noutros tempos e pelo significado que têm, os fontanários ou lavadouros públicos são importantes elementos do nosso património colectivo e que por isso devem ser preservados. O abandono, desmazelo e até a sua alienação, nunca foram grandes decisões, o que só nos tem empobrecido, sobretudo culturalmente.
 
Ainda antes da generalização dos fontanários e lavadouros públicos, a água era procurada junto das próprias nascentes, obrigando a deslocações permanentes à procura dessas águas sendo a mesma transportadas em recipientes, sobretudo pelas mulheres e crianças. Dessas nascentes algumas ainda existem mas já esquecidas e mesmo abandonadas.

Importa, pois, que haja nas pessoas, e sobretudo nos seus representantes, a sensibilidade necessária à valorização destes e doutros aspectos que fazem parte do património intrínseco de uma terra e da sua população. Quem não for capaz de compreender isto, não é digno de se armar em defensor dos interesses de uma terra e do seu povo.
 
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- Fontanário/Lavadouro do Reguengo (1966)

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- Fontanário/Lavadouro de Cimo de Vila

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- Desenhos (de memória) do Fontanário/Lavadouro das Quintães

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- Fontanário de Casaldaça (1966)

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- Vista geral do fontanário e lavadouro de Casaldaça

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- Lavadouro/Fontanário de Fornos

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- Pormenor do lavadouro/Fontanário de Fornos - Inscrição na lápide: "Amigos de Fornos e Junta"

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- Bomba de roda, existente no Fontanário/Lavadouro de Fornos