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12 de julho de 2023

Velho sobreiro



Já velho estou! 

Como um velho, cansado e dorido!

O fresco vigor do tempo primeiro

Dissipou-se como um névoa matinal

Elevando-se no vale fresco de um rio,

Como peregrino num caminho de fé.


Sou como sou!

Chego aqui numa vida com sentido,

Maduro e forte como bom sobreiro,

Que não teme o tempo, o vendaval,

A chuva, o calor, sem tremer de frio,

Porque, como árvore, morrerei de pé. 


A.Almeida - 12 de Julho de 2023


Uma interpretação:

Este poema procura evocar reflexões sobre o envelhecimento, a passagem do tempo e a força interior. Retrata um sobreiro mas igualmente um homem.

O verso inicial, "Velho estou!", expressa uma sensação de idade avançada e exaustão. Essa frase pode ser interpretada literalmente, indicando que o eu poético, o sobreiro ou o homem, está envelhecido e cansado. No entanto, também pode ser compreendida de forma mais abrangente, simbolizando uma jornada pessoal ou existencial na qual o eu lírico se sente desgastado emocionalmente ou espiritualmente.

"Como velho, cansado e dorido!" amplifica essa sensação de fadiga e desconforto físico e emocional. Essas palavras sugerem a experiência de um corpo que já não possui o vigor e a energia da juventude, além de transmitir uma possível carga emocional relacionada ao peso das experiências vividas.

A imagem da "névoa matinal" que se dissipa pode ser entendida como a fugacidade do tempo e da juventude. Assim como a névoa que se eleva com o nascer do sol, a vitalidade e o frescor dos primeiros anos também se dissipam com o passar do tempo. Essa metáfora cria um contraste entre a efemeridade da juventude e a realidade da velhice.

A alusão ao "vale fresco de um rio" e ao "peregrino num caminho de fé" pode sugerir uma busca espiritual ou um sentido de jornada pessoal. O envelhecimento pode ser visto como uma jornada em que se caminha com fé, enfrentando desafios e superando obstáculos, assim como um peregrino em seu caminho sagrado. Essa interpretação traz uma dimensão filosófica ao poema, abordando questões existenciais e a busca por um propósito ou significado na vida.

Na segunda estrofe o eu lírico reafirma sua identidade e autoaceitação, afirmando "Sou como sou!". Essa afirmação pode ser interpretada como uma aceitação do próprio eu, com todas as suas imperfeições e limitações. É uma expressão de autenticidade e uma recusa em se conformar a expectativas externas.

A comparação com um "sobreiro" traz uma imagem poderosa. O sobreiro é uma árvore conhecida por sua resistência e longevidade, simbolizando força e solidez. Essa metáfora sugere que o eu lírico se sente maduro e forte, capaz de enfrentar os desafios da vida sem medo. Assim como o sobreiro não teme os elementos naturais, o eu lírico não se abala perante o tempo, as adversidades e as intempéries da existência.

A frase "Porque, como árvore, morrerei de pé" reflete uma postura de dignidade e coragem diante da morte. Ela evoca a imagem de uma árvore que permanece ereta mesmo no momento final, reforçando a ideia de uma vida vivida com integridade até o fim. Essa afirmação pode ser interpretada como um desejo de viver uma vida autêntica e plena, sem se curvar diante das inevitabilidades e desafios.

Em suma, esse poema trata de temas profundos, como o envelhecimento, a jornada pessoal, a busca por significado e a aceitação de si mesmo. Por meio de metáforas e imagens poéticas, o poema nos convida a refletir sobre a fugacidade do tempo, a importância da autenticidade e a coragem de viver com dignidade e propósito.

11 de julho de 2023

Antes morrer


Dito assim, de forma tão crua,

É quase pecado a sujar a boca,

Mas vejo-te, amor, sempre nua,

Pronta, oferecida, sã e louca.


Mas que importa, diz-me, enfim,

Se te vejo carnal, límpida, pura?

Há no desejo de querer-te assim

Uma busca no mal a plena cura.


Perdoa-me! Sim, este ser perdoa,

Que mais não quer que te querer.

A viver sem ti, em que tudo doa,

Dor por dor, quero antes morrer.


A. Almeida - 11 de Julho de 2023


Uma interpretação:

Na primeiro verso da primeira quadra, o poema começa de forma crua, confrontando-nos com a intensidade do sentimento que será explorado. O eu lírico se dirige ao amor, descrevendo-o como alguém constantemente nu, pronto para se entregar, tanto mental quanto fisicamente. A dualidade entre sanidade e loucura está presente, pois o amor é uma força que nos faz agir além da razão, desafiando as convenções.

Na segunda quadra, o eu lírico questiona a importância de ver o ser amado de maneira pura e imaculada. O desejo de possuí-la nessa forma parece ser suficiente para ele, sem necessitar de mais nada além dessa cura que se encontra no próprio mal. Há uma reflexão filosófica sobre a dualidade entre bem e mal, sugerindo que, às vezes, é através do que é considerado "mal" que encontramos nossa cura e plenitude.

Finalmente, na última quadra, o eu poético implora por perdão, demonstrando uma profunda necessidade de amar o ser amado. A vida sem esse amor é descrita como uma existência de dor e sofrimento constante. O poeta coloca a dor como uma escolha preferível à perda desse amor, enfatizando a importância e a intensidade do sentimento.

Neste poema, há uma mistura de elementos poéticos e filosóficos que exploram a dualidade dos sentimentos humanos, especialmente no contexto do amor. O eu lírico confronta-se com a crueza do desejo, a ambiguidade entre bem e mal, e a necessidade de amar intensamente, mesmo que isso signifique enfrentar a dor. É um convite para refletir sobre os paradoxos e contradições inerentes à natureza humana e às complexidades dos relacionamentos amorosos.

10 de julho de 2023

Desgraça sem graça


Andamos nesta desgraça sem graça, 

Numa tensa e constante correria,

Como se a vida que por nós passa

Seja coisa de viver num justo dia.


Viver tão somente numa doce calma,

Renegar a pressa, a ânsia que alastra,

Saber que tão pouco interessa à alma,

É, afinal, tudo quanto ao homem basta.


A. Almeida - 10-07-2023


Uma interpretação:

Este curto poema em duas quadras com rimas cruzadas,  procura retratar a condição humana num tom algo desesperançado. O poeta expressa a sensação de viver em um estado de desgraça sem graça, o que sugere uma vida monótona e sem sentido. A imagem da "tensa e constante correria" destaca a agitação e o ritmo acelerado em que as pessoas vivem, como se estivessem apenas passando pela vida sem verdadeiramente vivê-la.

A expressão "coisa de viver num justo dia" parece transmitir uma ironia amarga. O poeta sugere que a vida se tornou algo tão vazio e superficial que se limita a um dia só, ou seja, um dia comum e ordinário. Essa frase revela uma crítica à falta de intensidade e significado nas experiências e vivências do dia-a-dia.

Na segunda quadra, o poema procura apresenta um contraste ou um remate em relação ao anterior. O eu poético defende viver numa doce calma, renegando a pressa e a ansiedade que se espalham. Essa postura sugere a busca por uma existência mais serena e tranquila.

O poeta destaca que a alma humana pouco se importa com a agitação e a correria do mundo. Ao afirmar que "tão pouco interessa à alma", o eu lírico sugere que a essência mais profunda do ser humano não deve ser afectada por questões externas e superficiais, mas antes plenas de essência da vida.

O verso último, "É, afinal, tudo quanto ao homem basta",  transmite a ideia de que o que realmente importa e preenche o homem está contido nessa doce calma e na renúncia à pressa. A busca pela simplicidade e pela paz interior é retratada como suficiente para satisfazer as necessidades humanas.

Em resumo, esses dois trechos poéticos apresentam uma análise crítica da condição humana e da sua postura face à vida. Enquanto o primeiro revela uma realidade desesperançada e superficial, o segundo sugere uma alternativa de vida mais calma e significativa, valorizando a serenidade e a simplicidade.

1 de julho de 2023

Universo

 


Fosse quem fosse

Que concebeu o sol

E o mantém firme nos céus,

Foi, é claro, um génio.

Alguém com posse

De estrelas no rol,

Só pode, mesmo, ser Deus

Do hélio, do hidrogénio.

Que mistério, o universo:

O sol, a noite, o dia,

Luz, trevas, pó, gás!

Poema de um só verso,

Como do nada a teoria,

Do Big Bang, lá atrás.


A.Almeida - 01-07-2023

30 de junho de 2023

Poema "Saudade" já publicado

 


Em 16 de Maio passado dei conta aqui de que a convite da Chiado Books, participei com um poema meu  para uma selecção que a editora se propunha publicar numa Antologia de Literatura Portuguesa desiganda de “Fragmentos de Saudade”.

Como disse então, o meu poema foi seleccionado pela editora e a obra já se encontra publicada e à venda. 

Apesar de lá ter um poema não sei se a irei comprar, pois mesmo que com vantagens para os autores seleccionados o custo de cada tomo é de 25 euros. A antologia foi publicada em 2 tomos, numa obra com mais de 1.200 páginas. É certo que cada volume tem centenas de páginas mas mesmo assim, apenas para ter o prazer de ver o meu poema impresso são 25 euros... Mas ainda tenho que decidir e certamente que acabarei por adquirir até porque o tema é interessante.

Os 2 tomos/volumes desta obra estão divididos da seguinte forma: No 1.º encontram-se os trabalhos literários dos/as autores/as cujo primeiro nome começa de A a J. No 2.º encontram-se os trabalhos literários dos/as autores/as cujo primeiro nome começa de J a Z. 

Uma vez que a antologia já está publicada e à venda, partilho aqui o meu poema, que, como disse, foi seleccionado para fazer parte da mesma.


Saudade da minha aldeia


No largo da minha doce e antiga aldeia

Está seca a fonte das refrescantes águas,

Fechadas as portas e janelas do velho casario,

E toda ela é um presépio mudo, parado, sem vida.


Dela, a saudade cá dentro incendeia

Num fogo a devorar memórias e mágoas,

Mas que não aquece o penetrante e gélido frio

Porque o tempo a deixou, sozinha, constrangida.


A saudade apega-se-nos em tal acerto

Que já é parte de cada um dos sentidos;

Saudade, porque estamos longe ou perto,

Saudade, porque encontrados ou perdidos.


Américo Almeida


O poema "Saudade da minha aldeia" evoca uma atmosfera nostálgica e melancólica ao descrever a aldeia do eu lírico. Através de uma linguagem poética densa, o poema explora a solidão e a saudade, transmitindo uma sensação de abandono e desolação.

O primeiro verso já estabelece um contraste entre a imagem idealizada da aldeia ("doce e antiga") e a realidade presente. A fonte que antes oferecia águas refrescantes está seca, as portas e janelas do casario estão fechadas, e a aldeia parece ter perdido sua vitalidade. Essa imagem de abandono é reforçada ao se descrever a aldeia como um "presépio mudo, parado, sem vida", criando uma metáfora que ressalta a ausência de movimento e animação.

O eu lírico revela seu estado interior ao mencionar a saudade que arde dentro de si como um fogo que consome memórias e mágoas. Essa saudade é intensa, mas não consegue aquecer o "penetrante e gélido frio", indicando que mesmo a memória e a nostalgia não conseguem suprir a ausência e o vazio deixados pelo tempo. A aldeia encontra-se solitária e constrangida, como se tivesse sido abandonada pelo curso dos acontecimentos e pelas mudanças do próprio tempo. A procura de melhor vida nos centros urbanos tem levado à desertificação do interior e abandono das nossas aldeias. O amor à terra, o apego às raizes ancestrais e o sentimento de pertença acabam por ser preteridos em troca da legítima aspiração de uma vida com mais oportunidades e melhores condições. A razão a prevalecer sobre a emoção e o coração, mesmo que daí a saudade fique sempre como o elo de ligação entre o passado e o presente.

A última estrofe explora a natureza da saudade, revelando-a como algo que nos acompanha independentemente de estarmos perto ou longe, encontrados ou perdidos. A saudade é uma parte intrínseca dos sentidos humanos, transcende a distância física e se relaciona com a falta, o anseio e a perda.

No geral, o poema retrata a aldeia como um espaço abandonado face às mudanças do tempo e gerações, onde a saudade ocupa um lugar central na vida do eu lírico. Através de metáforas e imagens poéticas, o poema explora a solidão, a passagem do tempo e a persistência da saudade como uma presença constante na vida humana.

Análise técnica:

O poema procura utilizar uma linguagem poética densa e simbólica para transmitir suas emoções e imagens. Metáforas e imagens são utilizadas para descrever a aldeia abandonada e a saudade ardente do eu lírico. A metáfora do "presépio mudo, parado, sem vida" e a imagem do fogo que consome memórias e mágoas são exemplos de como as figuras de linguagem são empregadas para criar um impacto poético.

O uso da repetição do termo "saudade" ao longo do poema reforça sua importância temática e emocional. 

Esquema de rimas:

O poema é composto por três estrofes de quatro versos cada, seguindo uma estrutura de quadras. A métrica não é rígida mas estruturalmente equilibrada, em que há uma predominância de versos decassílabos, com algumas variações crescentes ao longo dos versos de cada estrofe. O uso de rimas é presente e regular, seguindo o esquema ABCD, ABCD, EFEF, como a seguir se demonstra.


No largo da minha doce e antiga aldeia (A)

Está seca a fonte das refrescantes águas, (B)

Fechadas as portas e janelas do velho casario, (C)

E toda ela é um presépio mudo, parado, sem vida. (D)


Dela, a saudade cá dentro incendeia (A)

Num fogo a devorar memórias e mágoas, (B)

Mas que não aquece o penetrante e gélido frio (C)

Porque o tempo a deixou, sozinha, constrangida. (D)


A saudade apega-se-nos em tal acerto (E)

Que já é parte de cada um dos sentidos; (F)

Saudade, porque estamos longe ou perto, (E)

Saudade, porque encontrados ou perdidos. (F)


A.Almeida

29 de junho de 2023

Amoras

 


A tua boca linda

Doce de amoras

Toda me deste,

Plena, só minha.


Mas mais, ainda,

Tudo o que foras,

Flor campestre,

Dócil avezinha.


AA - 29-06-2023


A leitura e interpretação de um poema podem variar de acordo com cada pessoa, pois cada indivíduo traz consigo as suas próprias experiências, emoções e perspectivas da vida e das suas coisas. No entanto, existem algumas directrizes tidas como gerais que podem ajudar a compreender e sentir um poema.

- Leitura atenta: Um poema deve ser lido mais de uma vez para captar nuances e detalhes. Devem ser observadas as escolhas linguísticas, como palavras, ritmo, estrutura e recursos literários, como metáforas, aliterações, entre outros.

- Atmosfera emocional: É importante a atenção às emoções evocadas pelo poema. As palavras e as imagens usadas podem despertar sentimentos de alegria, tristeza, melancolia, esperança, amor, entre outros. A ligação com as emoções que o poema evoca em cada um de nós é um dos pontos fortes na leitura e interpretação de um poema.

- Contexto e temática: Devemos considerar o contexto em que o poema foi escrito e os possíveis temas abordados. Pode-se questionar sobre o que o poeta está a tentar transmitir. Os temas podem variar desde os mais comuns como amor, morte, natureza, questões existenciais, etc. . Interessa sempre identificar a mensagem central ou as ideias subjacentes a um poema.

- Imaginação e visualização: A imaginação deve fluir na leitura de um poema. Importa visualizar as imagens que ele cria em nossa mente, também as cores, as formas, os sons e cenários que são evocados pelas palavras.

- Reflexão pessoal: Um poema pode permitir-nos uma relação com as nossaa próprias experiências, memórias ou visões do mundo e de tudo quanto nos rodeia. Perguntemo-nos como o poema ressoa na nossa vida, nas emoções e pensamentos. Que reflexão sobre as questões levantadas pelo poema e como elas se aplicam a cada um de nós ou ao mundo em redor? Por conseguinte um poema pode dizer-nos muito se estiver em linha com as nossas orientações pessoais ou nada ou mesmo um sentimento adverso se versar ideias opostas às nossas. Há por conseguinte, na poesia, uma necessidade de compreensão,  de respeito pelo lado poético do outro, dos outros.

A interpretação de um poema é, apesar de tudo, muito subjetiva, e não há uma resposta única, convencional ou tida como correcta. O mais importante é permitir o envolvimento com a poesia, explorar sua linguagem e mergulhar nas emoções e significados que ela possa despertar. 

Neste contexto, sem prejuízo de outras leituras, outros sentimentos e outras interpretações, este meu simples poema acima, pode suscitar estas interpretações:

Propõe-se a retratar a beleza e a importância da boca da mulher amada ou desejada, através de uma linguagem poética e mesmo sensorial ou sedutora. No início da primeira estrofe o uso da expressão "A tua boca linda" cria logo uma atmosfera de encantamento, destacando a beleza e a atração que ela exerce sobre o poeta.

A referência à boca como "Doce de amoras" adiciona uma dimensão sensorial ao poema, evocando o sabor carnudo, adocicado e prazeroso das amoras. Essa comparação sugere que a boca da mulher é algo que o poeta deseja e saboreia intensamente.

A expressão "Toda me deste" expressa a entrega completa e apaixonada da amada através dos lábios. Essa frase revela a intensidade do amor e a fusão entre os amantes, como se a própria essência da pessoa estivesse sendo doada através do beijo.

O verso "Plena, só minha", enfatiza a exclusividade desse amor, onde o poeta se sente completo e plenamente pertencente à amada. Essa afirmação procura ressaltar a união profunda entre os dois.

A segunda e última estrofe, que inicia com "Mas mais, ainda", introduz uma mudança de tom ao explorar outros aspectos da amada. A comparação com uma "Flor campestre" transmite uma imagem de delicadeza, beleza natural e pureza, como que suavizando a abordagem mais carnal ou mesmo erótica que pode emanar da primeira parte. A metáfora de "Dócil avezinha"  reforça essa pureza de sentimento e sugere uma natureza  livre, tranquila e suave.

No geral, apesar da sua simplicidade com uma estrutura de duas estrofes com versos curtos, o poema destaca a importância universal da boca como um símbolo poderoso do amor e da conexão entre os amantes. Através de uma linguagem poética, o poema explora diferentes facetas da amada, desde a doçura até a delicadeza, criando uma atmosfera de amor e encantamento.


Américo Almeida

2 de junho de 2023

Pó da terra


O homem num desígnio bíblico

É de pó feito, transformado,

E à terra em pó tem seu retorno

Como fraqueza de humanidade.

Mas será um destino ciclíco,

Num recomeço renovado

Ou apenas um inerte abandono

À terra por toda a eternidade?


A. Almeida


O poema aborda a condição humana em relação à mortalidade e à sua conexão com a terra. Através de uma análise técnica e poética, podemos explorar os elementos presentes no poema e sua significância.

A estrutura do poema é marcada por duas estrofes curtas, ligadas, e versos breves, o que contribui para transmitir uma sensação de concisão e contundência. O uso de rimas num esquema ABCD, ABCD, e a métrica regular procuram conferir um ritmo cadenciado à leitura, enfatizando os contrastes presentes no conteúdo.

O poema inicia-se com a afirmação de que o homem é feito de pó e que, eventualmente, retorna à terra. Essa imagem evoca a ideia bíblica da criação do homem a partir do pó da terra e sua consequente morte e decomposição. A primeira estrofe também sugere uma reflexão sobre a transitoriedade e fragilidade da condição humana, ressaltando a inevitabilidade do fim.

Na segunda estrofe, surge a indagação sobre o destino do homem após seu retorno à terra. O termo "ciclíco" indica a possibilidade de um recomeço ou renovação, sugerindo a ideia de um ciclo sem fim. Essa interpretação pode estar relacionada à noção de renascimento ou reencarnação presente em algumas tradições espirituais.

No entanto, a última linha da estrofe sugere uma outra possibilidade: a de um "inerte abandono à terra por toda a eternidade". Essa expressão poética evoca a ideia de um fim definitivo e a noção de que, após a morte, o homem estaria abandonado à terra, sem qualquer tipo de existência ou consciência.

A análise técnica e poética desse poema permite-nos perceber a forma como o autor explora contrastes e questões existenciais. O uso de imagens bíblicas, como a criação do homem a partir do pó e seu retorno à terra, adiciona uma dimensão simbólica e religiosa ao texto. A ambiguidade presente nas possibilidades de um destino cíclico ou um abandono inerte cria uma tensão entre a esperança e a resignação diante do inevitável ciclo da vida e da morte.

Em suma, este poema apresenta essencialmente uma reflexão sobre a condição humana, explorando a transitoriedade, a mortalidade e diferentes perspectivas sobre o destino após a morte. Através de sua linguagem poética e imagética, o poema convida o leitor a refletir sobre a natureza efêmera da existência humana e as questões relacionadas à vida, morte e eternidade.

1 de junho de 2023

Contradições



Para quê ser todo sorrisos

Se meus lábios estão presos?

Importará ser criança meiga

Se não sei como ela brincar?

Meus passos vão indecisos,

Na noite há medos acesos;

Sou um rio preso na veiga

Que demora a chegar ao mar.


Para quê tentar ser doce

Se a amargura me inunda?

Porquê esperar suave cetim

Se não sou mais que  rudeza?

Sou a modos, como se fosse

Uma inquietação profunda

A contradizer tudo em mim,

Onde até a dúvida é certeza.


A. Almeida


"Contradições" é um poema que explora o tema das contradições internas e a luta entre diferentes aspectos da personalidade. ma e sua expressão lírica.

O poema é composto por quatro estrofes, ligadas duas a duas, cada uma com quatro versos, seguindo uma estrutura regular de quartetos com um esquema de rimas ABCD, ABCD, ABCD, ABCD.  A combinação de versos curtos e a presença de pausas criam um ritmo marcado e uma cadência pausada.

A primeira estrofe apresenta a contradição entre a aparência externa e a realidade interna. O eu lírico questiona a necessidade de parecer alegre e inocente quando, na verdade, seus lábios estão presos e ele não sabe como ser uma criança brincalhona. Essa contradição revela uma tensão entre a persona que se mostra para o mundo e a essência interior.

Na segunda estrofe, o eu lírico expressa a indecisão e os medos que o acompanham durante seus passos incertos. A imagem do rio preso na veiga, que demora a chegar ao mar, representa a sensação de restrição e a dificuldade em alcançar a plenitude ou a liberdade desejada. Essa estrofe reforça a ideia de limitação e frustração.

A terceira estrofe aborda a contradição entre a tentativa de ser doce e a presença constante de amargura. O eu lírico se pergunta por que esperar por suavidade quando é envolto pela rudeza. Essa dicotomia entre a doçura desejada e a amargura presente cria um conflito interno que o eu lírico enfrenta.

A quarta estrofe revela uma contradição profunda dentro do eu lírico, em que até a dúvida se transforma em certeza. Essa afirmação sugere uma inquietação constante e uma tendência à contradição interna. O poema termina destacando a luta entre diferentes aspectos da personalidade, enfatizando a complexidade e a ambiguidade do eu lírico.

"Contradições" procura um retrato da experiência humana de viver com conflitos internos e a dificuldade de se adequar a expectativas externas. O poema utiliza imagens vívidas e metáforas fortes para expressar a tensão entre a aparência e a realidade, entre o desejo e a limitação.

A repetição das palavras "para quê" no início de cada estrofe enfatiza a busca de respostas e a reflexão sobre a relevância de certos comportamentos ou expectativas. As contradições apresentadas no poema refletem a complexidade da existência humana e a luta constante para conciliar diferentes facetas da personalidade.

A linguagem poética é marcada por uma dicotomia entre opostos, como sorrisos e lábios presos, criança meiga e desconhecimento de como brincar, doçura e amargura, suavidade e rudeza. Essas contradições intensificam a sensação de conflito interno e a dificuldade em encontrar.

A. Almeida

25 de maio de 2023

Dúvida


Ó dúvida permanente, inquietante,

Sobre o que há para além da morte,

Se apenas nada, um frio escuro breu

Ou, então, uma vida nova, incessante,

Onde o homem mortal se torna forte,

Pleno de luz da serenidade do céu.


A. Almeida

16 de maio de 2023

Saudade seleccionada


A Editora Chiado Books está a organizar o I Volume da Antologia de Literatura Portuguesa Contemporânea “Saudade”.

No convite aos autores, justifica que "a saudade é um sentimento profundo e único, enraizado na cultura e na alma dos povos de língua portuguesa. É uma emoção que nos conecta com as nossas memórias, com pessoas queridas e com lugares distantes. Nesta antologia, queremos explorar e celebrar a saudade através da escrita.".

Na participação é informado que aos autores selecionados para a obra não será exigida nem oferecida nenhuma contrapartida pela participação. Além disso, não serão disponibilizados exemplares gratuitos da antologia.

Por outro lado, para garantir a uniformidade da antologia os poemas devem ter o limite máximo de 30 versos e as prosas devem ter o limite máximo de 250 palavras. Cada autor deverá enviar somente um poema ou prosa.

Face a este convite, encolhi os ombros e pensei para mim próprio: - Porque não? Não há nada a perder nem exigidas contrapartidas, como por vezes se faz ardilosamente como forma de publicar e vender, por isso abri a torneira da inspiração para ver se algumas gotas brotavam e em 15 minutos tinha um simples poema escrito. Poderia ir trabalhando nele ou noutras versões até à data limite para a submissão até ao dia 15 de Junho, mas foi quase de rajada e pouco depois já o remetia à editora.

Certamente que a antologia reunirá largas dezenas ou centenas de poemas e textos, mas será certo que nem todos os participantes verão a sua parte seleccionada e publicada. Por isso foi com surpresa e natural contentamento que horas depois tenha sido informado que o meu poema foi analisado e seleccionado e fará parte da referida antologia, pelo que devo ficar a aguardar a informação quando se der o lançamento da obra. É esperar para ver! 

Quanto ao meu poema, mesmo que não tenha sido colocada essa condição, por uma questão de princípio aqui o partilharei apenas e só após a publicação.

13 de abril de 2023

Choro de rosas


Na frescura densa do amanhecer

Há pranto no roseiral do jardim;

As rosas em lágrimas de orvalho

Choram por razão imerecida.

Ontem jovem, agora a envelhecer

Também choro com elas, e assim

Dou comigo a medir o que valho

Numa equação sem peso e medida.

 

Mas porquê, meu Deus,chorar

E esta angústia e desatino?

Afinal, como rosa a desfolhar,

Cumpre-se apenas o meu destino.

 

 AA-13/04/2023

12 de abril de 2023

Tempo fugaz




 

Ando eu aqui desvairado

A revirar as páginas do dia

Na procura vã do tempo perdido;

Afinal, é apenas passado

E o que passei não perdia

Porque só o viver fazia sentido.


Como água que a mão não retém

O tempo é assim, fluido, fugaz,

Como o dizer na partida a alguém:

- Fica comigo! Não te vás!


AA - 12/04/2023


13 de fevereiro de 2023

Viagem

Chegado aqui,

numa escalada suada,

eis-me no ponto cimeiro

do promontório agreste.

Em frente,

Diante dos meus olhos, 

Oferece-se um mar imenso,

Regaço pronto a acolher

a última nau ou caravela.

Embarcarei na viagem final

como marinheiro destemido

à descoberta do continente celeste, 

de uma nova terra 

que sustente a imortalidade.


7 de fevereiro de 2023

Sorriso

Se soubesses, amor,

Quão me domina o teu sorriso,

Tinhas todo o poder sobre mim,

No arbítrio do bem ou mal.

Todo eu seria dor

Se me privasses do pleno juizo,

Mais valendo, que sofrer, o fim,

Como ferido um animal.


Mas creio que se por bem, apenas,

Sorrindo esses teus lábios doces,

Tão bom seria ter-te plena em mim.

Sorri, sorri sem dores ou penas,

Sorri, linda,  ainda como se fosses

A vida contida entre princípio e fim.

6 de fevereiro de 2023

Partícula



Ascendi à serra, sereno e só,

buscando um encontro de intimidade,

naquela aspereza criadora

granítica, despojada,

para me sentir envolto

numa nudez primitiva

onde a cama é de erva

e o cobertor de estrelas e luar.


A serra, ampla, sincera, tem este dom:

o de nos submeter

à insignificância que somos,

mas como um grão de areia

que faz sentido e dá forma

ao areal na imensa praia.


O universo majestoso é, afinal, 

uma massa densa de partículas, 

ínfimas mas plenas, 

onde cada ser

tem lugar, espaço e sentido.


A. Almeida - 06022023

22 de dezembro de 2022

Sentidos

Não sei o que em mim falha

Que os sentidos se trocam

Numa percepção baralhada.

Vejo-te com os olhos cerrados,

Saboreio o picante do teu olhar,

Escuto o calor do teu corpo,

E acaricio o som da tua voz.

Apesar disso, sinto-te toda,

Plenamente desvendada,

Porque os meus sentidos,

Todos num e cada um em todos

Para ti convergem

E em ti e de ti  se inundam.

21 de dezembro de 2022

Vaidades

Deixem de lado essas vossas vãs vaidades,

Por feitos que pouco a tão poucos vale;

Sejam tão simplesmente alma e emoção.

Esvaziem essas ocas frivolidades

Próprias de quem quer todos e tudo igual

Num ego inflamado, cheio como balão.

20 de dezembro de 2022

Vazio



Não! Talvez já não valha a pena

Esperar do homem epifanias

Que o levem a mais humanidade;

Foi-se a esperança na última cena,

Sala e cadeiras ficaram vazias;

E nada sobrou dessa veleidade.


O poeta assim não sente remorsos

Porque o homem já não o inspira,

Sombrio jardim onde nada medra;

Lamenta-se, vencido de esforços

Por ver na alma, cheia de mentira,

Menos poesia do que numa pedra.

18 de dezembro de 2022

Natal

Abaixem-se, submissos, os montes,

Aplanem-se os  vales viçosos,

As aves cantem hinos de louvor,

E amansem o trovão e o vendaval.

Fiquem límpidos os horizontes,

Alegrem-se os regatos chorosos,

Porque é nascido Jesus Senhor

No mistério de renovado Natal. 

12 de dezembro de 2022

Era bom que chovesse

Era tão bom que hoje chovesse,

Esta míngua de tudo inundasse

Até que o céu de novo rompesse

E lá de cima o sol espreitasse.