Deste poste, há quem goste.
Eu não gosto, mas aposto,
Porque é o que eu acho,
Que num destes dias,
O poste vem abaixo.
Assim carregado,
Todo pendido,
Por fim cansado,
Cai de vencido.
Então dirão: - Ó poste, já foste!
Deste poste, há quem goste.
Eu não gosto, mas aposto,
Porque é o que eu acho,
Que num destes dias,
O poste vem abaixo.
Assim carregado,
Todo pendido,
Por fim cansado,
Cai de vencido.
Então dirão: - Ó poste, já foste!
Num Outono vestido de Primavera,
Reuniu-se um conclave de sonhos e utopias
Em que tomaram a palavra as palavras
Para dizerem, simplesmente: - Estamos aqui!
Nada mudou porque ainda és quimera,
Trilhas os caminhos que já seguias,
Duros, por onde só passam as cabras,
Mas, mais à frente, algo espera por ti.
O sonho, a realidade? Seja lá o que te for dado,
Importa sonhar, sempre, nem que seja acordado.
Olhar com olhos de ver,
Falar com a boca plena,
Escutar com as orelhas todas,
Apalpar com os dedos tácteis.
Mas diferente poderia lá ser?
É de rezas, repetidas, a novena
As mulheres são dadas a modas,
Umas difícies, outras fáceis.
Que mania esta e nossa, a de redundar.
Mais do que mania, chega a ser ânsia,
A de repetir, teimosamente a teimar,
Em que tudo seja assim, redundância.
Aqui e agora, no tempo pleno e no espaço,
Doce e macio, qual fruto a cair de maduro,
Não sei o que pense, não sei o que diga
Que de substancial possa pensar ou dizer.
Sinto-me de cima abaixo envolto em cansaço,
Como peregrino amassado num caminho duro,
Como trovador com a boca seca, sem cantiga,
Como criatura vivida já pronta a morrer.
Mas será essa a natureza dos seres,
Uma contemplação de coisa perdida,
Quando, afinal, enquanto puderes,
Há ainda caminho, há ainda mais vida?
Pois bem! É levantar, então a fronte,
Na serenidade plana de um rio avançar,
Porque a vida começa, ténue, na fonte
E só se cumprirá no encontro do mar.
Sou uma rocha de musgo vestida,
Incrustada em seio de montanha
Sob a asa sombria de um carvalho,
Num longo, perene, dia de Verão.
Sou solidez inerte, mas com vida,
Impossibilidade da física, façanha.
Sou pequeno, ínfimo, pouco valho,
Num desvanecimento em sublimação.
Não mais que gás, molécula em deriva,
Poeira cósmica presa à gravidade,
Sou só pedra amorfa, orgânica, viva,
Cidadão da terra, pó, humanidade.
A. Almeida
"Sublimação" é um poema que nos leva a uma reflexão sobre a existência humana e sua relação com a natureza e o universo. Através de sua linguagem poética, o autor utiliza metáforas e imagens fortes para expressar a dualidade da vida e a transitoriedade da condição humana.
O poema é composto por três estrofes de quatro versos cada com um esquema de rima ABCD, ABCD, EFEF. Mesmo sem uma métrica perfeita e clássica, apresenta um ritmo fluente da leitura, tornando a poesia agradável de ler em voz alta.
A primeira estrofe apresenta uma imagem poderosa da rocha de musgo, retratando-a como uma parte integrante da montanha e protegida pela sombra de um carvalho em um longo dia de verão. Essa descrição da rocha ressalta a ideia de estabilidade e permanência, reforçando a noção de solidez.
A segunda estrofe traz uma reviravolta no discurso, em que o eu lírico se percebe como uma "solidez inerte, mas com vida". A poesia explora uma aparente contradição entre a inércia da rocha e a presença de vida, abrindo espaço para uma reflexão sobre a complexidade da existência humana. O uso da palavra "façanha" sugere que a coexistência desses elementos aparentemente opostos é uma conquista notável.
Na terceira estrofe, o eu lírico se apresenta como alguém de pouco valor, contrastando com a grandiosidade da natureza que o rodeia. Essa sensação de pequenez pode estar relacionada à busca por significado na vida ou ao sentimento de insignificância perante o universo vasto.
A quarta estrofe traz a ideia de sublimação, que é a transição direta de uma substância do estado sólido para o estado gasoso, sem passar pelo estado líquido. Essa metáfora pode representar a transformação do eu lírico em algo maior e mais abstrato, uma transcendência da condição humana.
A poesia é rica em metáforas e imagens, criando uma atmosfera simbólica e contemplativa. O uso da natureza como pano de fundo para as reflexões do eu lírico reforça a conexão entre o homem e o ambiente em que vive. A rocha, o carvalho, a montanha e o dia de verão representam a imutabilidade e o ciclo da vida natural, enquanto o eu lírico tenta compreender sua própria existência diante dessa grandiosidade.
A dualidade presente no poema (solidez e vida, gás e poeira cósmica) reflete a complexidade da condição humana, que é, ao mesmo tempo, finita e efêmera, mas também intrinsecamente conectada ao universo e à natureza. A sublimação, apresentada no último verso, sugere a possibilidade de transcender a forma física e material para algo mais etéreo, destacando a busca por significado e sentido na existência humana.
Em suma, "Sublimação" é uma poesia que convida o leitor a contemplar a natureza, a transitoriedade da vida e a busca por um propósito maior. Através de metáforas e imagens vívidas, o poema desperta reflexões sobre a dualidade humana e a relação entre o homem e o cosmos.
A.Almeida
Eis-me aqui, todo em pleno mar,
Sem farol a guiar a porto seguro,
Sem barco, sem âncora, nem bóia
Em água temerosa.
Fugi, perdi-me para me encontrar,
Mais livre, solitário, mais puro,
Como quem busca tesouro ou jóia
Mais rica, valiosa.
Talvez nesta imensidão ondulante,
Espelho da negrura da alma e céu,
Eu encontre uma rocha firme, a fé,
Que me resgate desta morte certa.
Serei então um solitário mareante
Digno, sereno, despojado de labéu,
Um novo e renovado homem Crusoé
No reencontro da ilha deserta.
Eis-me aqui, náufrago em verdade
Já com fundada, renovada esperança,
Porque passada a dor, a tempestade,
Ressurge a doce e vindoura bonança.
Eis-me aqui, vivo, já fora do mar,
Seguro, mesmo que a noite caia,
Porque um homem pode naufragar
Mas dará sempre à sua praia.
Há sedes assim, intensas, interiores,
Que deixam à míngua as raízes das emoções,
Em que não há agua que baste à secura.
Quem dera que o coração plantado a flores
Vivesse em eterna primavera, sem verões,
Com rega abundante da água mais pura.
Talvez no amor se encontre a fonte,
A frescura orvalhada de um vale,
Uma boca seca que um beijo pede.
Talvez um conto que alguém nos conte,
Num adormecimento sereno, sem mal
Para um despertar doce, sem sede.
Eis-me aqui, só, neste todo,
No meio de um imenso mar,
Nem sei se de água, ou lodo.
Esperneio, bracejo, em vão,
Sem fundo firme onde ancorar
O medo de afogar na ilusão.
Eis-me aqui, despido, no nada,
Como parido do ventre materno
Sem berço, sem sombra de fada.
Mesmo assim, nesta nudez vazia,
Há um céu para além do inferno
Uma estrela que ilumina e guia.
Não fora isso, essa fundada esperança,
Quem valeria ao homem perdido nas vagas,
Como mãe de braços vazios, sem criança,
Arrebatada por tempestades malvadas?
A noite era um breu, denso, fechado,
O caminho mal se via.
Subia a lua, linda, astro iluminado,
E logo a luz se acendia.
A caminho de casa, seguia o lavrador,
Com a lua como farol,
E do frio da noite sentia agora um calor,
Porque a lua já era sol.
Olha, lá em baixo, a curva do caminho!
Desce, tranquilo, sem receio,
angústia ou dor.
Ademais, tens que ser tu, sozinho,
Com orgulho, de peito cheio,
Pleno de amor.
Não há prova, competição, nem meta!
Só o destino conta, afinal,
Sereno assim.
Caminha sempre, firme, pela certa,
E não haverá dor ou mal,
Somente o fim.
Em tudo o que toco, reluz,
O brilho da saudade passada.
Será esta, em bem, a minha cruz:
O ter tudo sem, por mal, ter nada?
É por demais conhecida a parte do poema "Autopsicografia" em que Fernando Pessoa diz que:
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Ora este fingimento em Pessoa, que lhe é reconhecido, é mesmo para levar a sério. Senão vejamos: Desde logo o recurso aos seus heterónimos como Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares, em que cada um é uma personalidade própria.
Depois, para lá de tudo, da poética e da linguagem, um exemplo concreto desse fingimento, e dele a contradição descarada e comprovada: Como Bernardo Soares, no "Livro do Desassossego", diz que:
"Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins, propósitos e intenções."
O mesmo Pessoa, in "Ideias Estéticas da Arte", diz que:
"Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes- tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura."
Ou seja, resumindo o fingimento, Fernando Pessoa, dá uma no cravo e outra na ferradura. Vê e julga a arte com a mesma desenvoltura e contradição filosóficas, considerando-a agora "útil", e logo como "inútil".
Pessoa julga bem. O jogo de palavras, ideias, metáforas, sentimentos, analogias, etc, etc, não tem que brotar do real sentimento do poeta nem da sua coerência. Se assim fosse, era um desgraçado à deriva num mar revolto em constante turbilhão de sentimentos e emoções.
Fingir, pois, é preciso!
Velho amigo, Zé Coelho,
Chamou-te, Deus, agora,
Clamando-te como pertença;
Sentiu que estavas velho
Achando chegada a hora
De te ter em Sua presença!
Viajaste, correste mundo,
Num vai-e-vem de canseira
Agarrando os cornos da vida;
Nesse viver duro, profundo
A morte surgiu derradeira
A reclamar a tua despedida.
Mas ainda ficas por cá,
A viver na nossa memória,
Bem alto como uma torre;
A tua passagem não foi vã
Teve honra, teve glória,
Teve vida que não morre.
Partiste, simples, sem nada
Sem malas, sem a guitarra,
Rumo ao porto da santidade;
Ficamos nesta dor chorada
Que nos prende como amarra
Ao cais da sentida saudade.
Mas virá em nosso mar a maré
Em que um a um todos iremos
Ao teu encontro, a esse além;
Até lá connosco vives em fé
Porque com ela bem sabemos
Que continuas a viver, e bem!
Adeus, velho amigo!
Tanta canseira afadiga o homem
Além de tudo quanto diz e faz;
Coisas fúteis que o consomem
Quando, afinal, lhe basta a paz.
Esse afago de mansidão interior,
É, afinal, o bem mais precioso:
Desperta sereno o negro turpor
De um viver triste, só, doloroso.
A paz calma como bem supremo,
É como lago na placidez da água,
Em que apenas o doce bater do remo
O desperta à vida, o viver sem mágua,
Homem, pára! Afrouxa esse fragor
Medonho de todos os teus rios
Feitos de água de lágrimas e suor
E dá-lhes a calma dos vales macios
A.Almeida
Não! Não há luz como a de Maio
Porque límpida, desenevoada,
Quase um esplendor em ensaio.
Nasce na manhã fresca, solteira
Como noiva bela, perfumada
No seio em flores de laranjeira.
Ao poeta tão pouco lhe basta
Mas Maio, farto, dá-lhe tanto
Chegando a sobrar inspiração.
Então a palavra sai pura, casta,
Num devaneio de singelo encanto
E dela o poema brota de emoção.
A. Almeida
P´los caminhos da minha aldeia
Percorro paisagens de infância
Captando o tempo com o olhar.
Renovado, de alma plena, cheia,
Volto aos montes numa ânsia
De rever lugares... recomeçar.
Quem dera que o tempo, teimoso,
Atrás voltasse, por instantes,
Como num sonho dormente, feliz;
E pudera, então, infantil, viçoso
Rever coisas e rostos radiantes
Repetir tudo quanto de bom fiz.
A. Almeida
Ó Saudosa e fugidia Segunda-Feira,
Sejas bem-vinda ao ciclo infernal
Daqueles que do trabalho penam.
Não temas, chega-te aqui, à beira,
Sê na nossa carne o tempero de sal.
E que se fodam os que te condenam!
Segunda-Feira, linda, deslumbrante,
Fada madrinha, bruxa, ou feiticeira,
Bela sereia no teu rabinho de prata,
Deixa que em ti todo eu me encante
No retomar desta benfazeja canseira
Porque o fim-de-semana, esse mata!
A. Almeida
Desci já ao poço mais fundo,
Negro, frio, de uma tristeza sem fim;
Corri no alvoroço do mundo,
Cego, vazio, numa palidez de marfim.
Assim triste, indolente, sem vida,
Um mar de dúvidas logo se agiganta;
O caminho torna-se beco sem saída
E dele tentar fugir, que adianta?
Mas nessa lassidão de má sorte
Que nos tolhe, mutila, emudece,
Talvez ainda, por última prece
Venha o prémio, a paz, a morte.
A. Almeida
O lugar do Outeiro é varanda
Onde a vista ao longe alcança
O verde vale da linda ribeira;
Doce contemplação que abranda
O tempo numa lentidão mansa,
Sem pressa, fadiga ou canseira.
É a torre mais alta, a ameia,
De um alto castelo de fantasia,
Sentinela desperta na aurora;
Dali, a alma fica mais cheia
Da frescura ou do calor do dia
Duma aldeia que plena se aflora.
A. Almeida
Pés ao caminho,
toca a andar!
Em companhia ou sozinho,
Importa caminhar!
Olha o casario,
A verde colina,
A ponte, o rio;
A fresca menina.
A velhinha quebrada
Pelo peso da idade,
Quanta vida andada
Desde a mocidade?
Importa caminhar,
De olhos cheios
De azul e verde
E pó no sapato.
Até a ave a voar,
Com seus chilreios,
A matar a sede
Desce ao regato.